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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Orlando Silva


Em 1938, depois de uma breve e exitosa temporada em São Paulo, Orlando Silva voltou ao Rio de Janeiro e foi anunciado no auditório da Rádio Nacional: - Aqui está de volta Orlando Silva, o cantor das multidões! A definição que passou a acompanhar o artista por toda a carreira não era exagero. Como os auditórios pelo país não eram mais suficientes para comportar o público do cantor, Orlando passou a se apresentar em praças públicas, interpretando canções que, cem anos após seu nascimento (3 de outubro de 1915), ainda fazem parte do imaginário do povo brasileiro. Viveu o auge da carreira nas décadas de 1930 e 1940.


"Um cantor que o Brasil ainda acata, acarinha, aplaude, incentiva. Um marido bom, que combina tudo com sua mulher. Um amigo que quando pode atender a solicitude de um outro amigo, ele tá com presteza ali. Um artista que cumpre seu dever, apesar do tempo que tem de carreira e do nome que tem nas costas. Um artista que quando se compromete com compositores, ele grava nem que seja a toque de caixa. Sempre fui assim e acho que vou morrer assim".

Foi dessa forma que Orlando Silva se defininiu em um depoimento para a posteridade gravado no Museu da Imagem e do Som (MIS) em 1968. A simplicidade do discurso pode esconder a imensa influência que Orlando exerceu sobre uma grande quantidade de cantores contemporâneos e das gerações seguintes. É o que diz Jonas Vieira, biógrafo do artista: “foi ele quem plantou uma nova maneira de cantar, muito simples e com um fraseado novo, extraordinário. Essa é a razão pela qual eu o considero um cantor único no mundo”, defende. Lúcio Alves, Ciro Monteiro, João Gilberto e Caetano Veloso são alguns dos cantores “filiados” à escola de canto de Orlando Silva.


Ao olhar para a música mundial naquele período, Jonas Vieira compara Orlando Silva a Frank Sinatra. Para ele, a principal diferença entre os dois em termos de influência era a máquina publicitária que girava em torno do cantor norte-americano. “Os empresários dele contratavam mocinhas para seus shows, não apenas para aplaudí-lo, mas para rasgar suas roupas e transformar aquilo em um acontecimento coberto pela mídia”, revela o autor de Orlando Silva - o cantor das multidões, livro que ganhou reedição em 2015, com capítulo dedicado ao centenário do biografado.


Orlando Silva integrou o elenco principal da Rádio Nacional já no momento de sua criação, em setembro de 1936, e foi um dos responsáveis por seu sucesso e consolidação. Ele permaneceu como um dos principais nomes da emissora até 1946, quando foi demitido devido a problemas com álcool e drogas, retornando em 1952 para substituir o cantor e apresentador Francisco Alves. Sobre seu afastamento em depoimento ao MIS, ele conta que aproveitou o período para viajar.


"Me afastei da Rádio em 50 para 51, fui viajar. Viajei o Norte todo. Quando voltei, próximo do carnaval, não me afastei, eu tinha muito chamado para fora. Como estava sem contrato, aproveitei, arrumei minhas malinhas e saí".


Carreira

Filho de Balbina Garcia e José Celestino da Silva, Orlando nasceu na estação do Engenho de Dentro, subúrbio carioca. O pai era um dos músicos que tocavam com Pixinguinha, ocupação que revezava com o trabalho de ferroviáro, e morreu quando Orlando tinha apenas três anos de idade.

Antes de iniciar profissionalmente sua carreira artística, Orlando trabalhou como entregador de marmitas, operário em uma fábrica de cerâmicas, aprendiz de cortador em uma fábrica de calçados e entregador de encomendas.

Em 1936, nessa última ocupação, ele caiu do bonde em movimento quando voltava para casa e teve de amputar dois dedos do pé esquerdo. Passou dois meses de recuperação no hospital, medicado com morfina para aliviar a dor. Após esse período ele passou a trabalhar como cobrador de ônibus, ofício que o permitiu ficar sentado, já que passou a mancar da perna esquerda.

Nessa época, surgiu a oportunidade de cantar na Rádio Cajuti, por intermédio do cantor Bororó, que o ouviu cantando no corredor da rádio e, impressionado com a voz, o apresentou a Francisco Alves. O então célebre cantor chamou Orlando Silva para se apresentar em seu programa. Assim, aos 18 anos, Orlando teve a estréia como cantor profissional, em 23 de junho de 1934, com a música Mimi, de Silvio Caldas.

No ano seguinte, ele passou a gravar discos. Teve também a experiência pioneira de gravar um jingle brasileiro - como é conhecido o comercial radiofônico - com uma canção propagando o chope Brahma. Era uma marchinha de autoria de Ary Barroso, lançada no carnaval de 1935.

Em 1937, Orlando Silva era uma das maiores estrelas da RCA Victor, que tinha no elenco artistas como Carmem Miranda, Silvio Caldas e Chico Alves. Naquela época, gravou duas faixas de sucesso, uma de cada lado do LP: "Lábios que eu beijei", de J. Cascata e Leonel Azevedo e "Juramento Falso", de Pedro Caetano. Ambas tiveram arranjo do maestro Radamés Gnatalli.




"O estouro mesmo, onde o Brasil tomou conhecimento que já existia mais um cantor popular foi com Lábios Que Beijei, que saiu em março de 1937. Eu já vinha fazendo sucesso, mas não dessa envergadura". Depoimento de Orlando Silva ao MIS em 1968.

No ano seguinte, viria mais um disco que ficou para a história. Com arranjos de Gnatalli, o LP trazia no lado A a música "Carinhoso", composição de Pixinguinha com letra de Braguinha, e no lado B "Rosa", de Pixinguinha e Otávio Souza. “Esse disco foi um sucesso dos dois lados, sobretudo Carinhoso, que é uma espécie de hino do romantismo brasileiro”, pontuou o biógrafo Jonas Vieira.
Bossa Nova



"O alto falante pendurado num dos postes da rua do Apoio, em Juazeiro Bahia, tocava "Naná", com Orlando Silva, pelo menos três vezes por dia", relata Ruy Castro na abertura de seu livro "Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova". Com essa frequência na rádio, Orlando influenciou o cantor baiano nascido em Juazeiro que seria o principal responsável pela criação da Bossa Nova: João Gilberto, que iniciou sua carreira imitando o modo de cantar do carioca. "Quando o chamavam de 'o novo Orlando Silva', Joãozinho ficava todo prosa — porque era exatamente o que ele queria ser", apontou Ruy Castro no livro.

Após a volta ao cenário músical em 1952 na Rádio Nacional, Orlando Silva encontrou um cenário diferente, onde os cantores do rádio não tinham mais o mesmo prestígio. Parte devido à chegada da televisão e à mudança estética promovida na música brasileira pela Bossa Nova, que introduziu uma nova forma de cantar, distinta daquela que ficou consagrada no pais nas décadas de 1930 e 1940. Em seu depoimento ao MIS em 1968, Orlando reflete sobre o cenário de então.




"Um sucesso atualmente não é espontâneo, não é escolhido pelo povo, é imposto por autores, sociedades, editores. É uma gangue que está atrás empurrando esse canhão e quem não quer morrer que saia da frente"

Perguntado na ocasião se a carreira estava em declínio ele amenizou. "Não há quem permaneça e fique eterno na crista. Não pode se manter um ídolo na crista. Eu fiquei muito tempo."

Em 1940, já no auge da fama, Orlando Silva iniciou um relacionamento amoroso com a atriz Zezé Fonseca que perdurou até aproximadamente 1943 em meio a muitas turbulências. Em 1947, casou-se com Maria de Lourdes, com quem viveu pelo restante da vida. Orlando morreu em 1978, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).