Páginas

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Nelson da Rabeca


Nelson dos Santos, conhecido como Nelson da Rabeca (Joaquim Gomes, 12 de março de 1929) é um músico,  luthier, instrumentista e compositor autodidata brasileiro. Assim como sua família, sua principal ocupação sempre foi a agricultura, principalmente a lavoura da cana-de-açúcar.

Casado com Benedita, tem dez filhos. Sem ter frequentado escola, portanto, sem saber ler, e sem precedentes musicais na família, aprendeu a tocar rabeca sozinho, já por volta dos cinquenta anos. Nelson do Santos virou um rabequeiro (Rabeca: instrumento rústico lembra o violino) respeitado até por estudiosos...



Antes de ficar conhecido por conta de sua rabeca, o alagoano Nelson dos Santos trabalhou nos canaviais de Marechal Deodoro, em Alagoas. Das lembranças sobre aquele tempo, quando seu instrumento de trabalho ainda era o facão, ele ressalta o dia-a-dia sofrido na época da colheita.

"Se fosse cana crua eu voltava melado, todo cheio de pelo. E quando era queimada ainda era pior. Precisava tomar dois, três banhos para sair o carvão quando chegava em casa. Era um trabalho pesado. Eu não tenho saudades deste tempo não".

Sediado em Marechal Deodoro, em Alagoas, paralelamente ao trabalho na agricultura, toca rabeca e compões baiões, xotes, marchas e forró pé-de-serra. Também toca acordeão. Começou a construir rabecas na década de 1970, alcançando renomada originalidade e perfeição no ofício que aprendeu sozinho, seguindo um processo de experimentação, até chegar a um resultado que lhe satisfizesse.

Para seu trabalho, pesquisa madeiras diferentes, objetivando a beleza e o resultado sonoro do instrumento. Sua madeira preferida é a jaqueira que, segundo ele "além de ser bonita e dar bom som, não acaba nunca". Escolhe madeiras duras e pesadas para a construção de seus instrumentos que têm como marca serem robustos e resistentes.

Com o apuro de seu trabalho como compositor, instrumentista e especialmente como construtor de rabecas, tornou-se conhecido na comunidade de Marechal Deodoro, mas foi com a pesquisa de José Eduardo Gramani, que ganhou reconhecimento não só em Alagoas, mas também de estudiosos de vários pontos do Brasil.

Gramani, ao entrar em contato com a primeira rabeca de Nelson, ficou tão impressionado, com aquele meio de expressão musical e com sua riqueza timbrística que se sentiu inspirado a compor vários temas, que se tornaram peças específicas para aquela rabeca. Essas peças tiveram registro em um CD, gravado em 1994.

Em 1998, objetivando fortalecer esse reconhecimento, foi fundada a "Associação dos Amigos de Nelson da Rabeca", encabeçada por artistas, intelectuais e agentes culturais alagoanos, que vêem nele um dos mais legítimos representantes da cultura popular alagoana e que, voluntariamente, promovem seu trabalho artístico.

São diversos os músicos e pesquisadores que, atestando a qualidade dos instrumentos de Nelson, registraram sua admiração e respeito a ele, o musicólogo Wagner Campos, sobre ele, afirmou:

"Dominando todos os processos de sua arte musical, do corte da madeira,passando por todas as etapas específicas da construção de cada um de seus instrumentos, até a criação e interpretação de suas próprias composições, Seu Nelson trabalha apoiado em um sabedoria secular, representando o ponto de chegada de conhecimentos muito antigos trazidos na bagagem dos colonizadores, diminuíndo distâncias entre passado e presente, tradição e atualidade".

Em 2003, foi convidado para entrevista, apresentando-se no "Programa do Jô", na TV Globo.


Assim como acontece com outros rabequeiros, para ser músico, Nelson da Rabeca teve que fabricar seu próprio instrumento, como conta a violinista Catarina de Labourê.

A história do seu Nelson, eu acho que merece um filme, porque com 52 anos, pai de dez filhos, ele encontra, se depara, com uma televisão, com um violino e aquele momento ele se sentiu iluminado como se Deus tivesse falando para ele, que aquela era a forma que ele tinha para manter a família dele. O jeito do seu Nelson também tocar é muito dele. Ele se inspirou no violino, no violinista que estava tocando, mas ele buscou a anatomia do corpo dele, corcundo do corte mesmo, para poder adequar aquele instrumento.

O jeito do músico de fabricar a rabeca chamou a atenção do maestro José Eduardo Gramani, músico de formação erudita, que se encantou pelo instrumento nos últimos anos de sua vida. Nelson ganhou até um perfil escrito pelo maestro no livro “Rabeca, o sonho inesperado”.



O puxadinho no fundo de sua casa é o local onde Nelson constrói suas rabecas. As mãos de músico dão lugar às mãos de artesão, com o uso do enxó, uma ferramenta que parece uma enxadinha e o facão do corte da cana.

A medida, eu meço na mão. O comprimento, dois palmos e um pouquinho, às vezes, é menos de dois palmos. É tudo a olho, então não tem uma rabeca igual a outra. O som é diferente. A madeira é da fruta-pão, é que o povo aqui de Alagoas planta nos quintais. Ela bota aquela fruta do tamanho de um coco. Quando ela está muito velha, ele derruba. Tem vez que eu compro e outras eles me dá. Então eu faço a rabeca.

Para ele, rabeca boa é rabeca bem cavada, ajustada. “Se deixar ela plana, o som fica preguiçoso para sair. Se deixar ela toda assim, com o bojo para frente aí o som é muito.

Quem olha uma rabeca pela primeira vez pode imaginar que ela não passa de um violino rústico, mal acabado. E olha há até um certo parentesco entre os dois. Mas a rabeca, hoje, é considerada um instrumento com identidade própria, seja por suas características de som, pelo jeito de tocar e até por não respeitar nenhum padrão no seu formato.



Aproveitando a rabeca na mão não demora para Nelson mostrar uma música chamada silence. “Essa música toca nos dedos quase todos. E tem música que descansa o dedo de um para o outro, né. E essa tem que tocar os dedos quase tudo de uma vez só. Então é mais difícil essa.

A música silence foi parar no repertório de um doutor em rabecas, Luis Fiamings, da Universidade Estadual de Santa Catarina, em Florianópolis. Os dedos ágeis do profissional e a gravação da música no estúdio revelam a qualidade de som que este instrumento é capaz de produzir. “Essa rabeca o seu Nelson me deu de presente, eu tenho muito orgulho de tê-la. Diferente do violino que é padronizado, a rabeca cada um tem uma”.



Nelson da Rabeca e o Segredo das Árvores
*by Marcelo Cabral


Vivi no canavial trabalhando pesado no corte da cana. Com 54 anos, vi um cidadão tocando violino na televisão e fui na mata, cortei a madeira, deixei secar, e quando secou fiz a rabeca, e acertei.”

Esta é a história de Nelson dos Santos, o Seu Nelson da Rabeca, como ele é conhecido por todos. Músico e luthier autodidata de 80 anos, sorriso fácil e simplicidade que irradia uma mágica tão incrível quanto sua história com a música.

Em 2008, Nelson da Rabeca lançou seu terceiro CD “O Segredo das Árvores”, com apoio da Petrobras e Ministério da Cultura. São 21 composições da mais autêntica música rural. Neste mesmo ano, lançou também o primeiro DVD, onde o público pode captar toda a beleza e poesia do artista.

Quando Nelson foi apresentado ao público alagoano anos atrás, as pessoas ficaram encantadas com aquele senhor, tão carismático na alegria de tocar seu instrumento, e que vivia um drama enfrentado por tantos alagoanos, a falta de moradia. Em todas as entrevistas, Nelson falava do seu maior sonho “O que eu mais queria era ter uma casa pra receber meus amigos, todas as pessoas que me ajudam”.

Antes de dizer que queria uma casa pra morar, Seu Nelson queria uma casa para receber as pessoas, e conseguiu. Muitos produtores e músicos, entre eles Hermeto Pascoal, fizeram uma grande movimentação em Maceió, doaram seus cachês, promoveram eventos para arrecadar recursos e realizar o sonho da casa de Nelson e sua mulher Dona Benedita. E já vão 8 anos de “felizes para sempre” na nova morada.

Fui visitá-los em sua casa sonhada no centro histórico de Marechal Deodoro. Logo na entrada da cidade, uma grande estátua de Nelson dá as boas vindas aos visitantes. Encontrei o endereço com ajuda de indicações das pessoas nas ruas de Marechal, a rabeca sobre a porta anunciava o ilustre morador. Do lado de fora da casa verde com grandes janelas de madeira, escutei uma melodia, aquele inconfundível timbre do instrumento. “Seu Nelson! Ô de Casa!” gritei. A música parou.

Fui recebido por Dona Benedita, companheira de Nelson na vida e na música, ele toca, ela canta e os dois compõem canções singelas de beleza rara, coisa do amor mesmo. “Ah, por favor, entre, ele está tocando lá dentro, a gente estava ensaiando.

E entrou falando “Nelson, tem um rapaz aqui, ele é jornalista, mas é músico também, olha que bom” e me levou pra dentro, onde eles ensaiavam um xote que Nelson compôs na noite anterior. Escutei em primeira mão. Ele tocava a rabeca e ela o chocalho. Dona Benedita mostrou que é boa percussionista também e não perde o ritmo.

Terminada a música, Nelson olhou pra mim, sorriu e disse “esse é um xote que eu fiz ontem à noite, se chama ‘Da Rabeca’, e começou a contar sua história.

Depois de construir (ou seria reinventar?) suas rabecas, Nelson começou a tocar. “Eu trabalhava na fazenda durante a semana e no fim de semana tocava pros turistas na Praia do Francês, onde eu ganhava dois tantos a mais que durante a semana, foi lá que comecei a ser divulgado, hoje tenho três discos gravados e já toquei no Brasil todo. Fortaleza, Salvador, São Paulo, Porto Alegre, em todo canto. Hoje sou feliz com minha rabeca. Eu ouvia dizer que cavalo velho não aprende passada, mas aprende. Eu aprendi. Estou com 80 anos e não paro de criar, continuo fazendo música”.

Ele conta que já fez e vendeu mais de cinco mil rabecas “pelo meio do mundo”, e que gosta mais de tocar que de fazer o instrumento, “gosto também, mas tocar é como uma pessoa que dirige um carro. Vai pra onde quer”. Seu filho, Gilson, também começou a tocar e se apresenta na praia do Francês, seguindo os passos do pai.

Nelson participou de duas edições do Circuito Nacional de Música Sonora Brasil, fez algumas turnês, sempre acompanhado de Dona Benedita. A esposa sente saudades de viajar, “é bom demais, nem fale que dá vontade de ir embora de novo, conhecemos tantos lugares e pessoas tão legais”.

Durante a conversa, Nelson contou algumas histórias de suas andanças pelo Brasil afora. “Fui tocar em Porto Alegre com o Zé Gomes (rabequeiro gaúcho), e achei a tocada dele tão bonita que eu disse que se morasse ali ia pegar explicação com ele. Daí ele me disse que uma tocada que nem a minha eu que devia dar explicação. Já o Mestre Salustiano, de Pernambuco, me disse ‘Seu Nelson, se brincar o senhor toca mais que eu’ e olhe que ele toca bonito e com aquela animação toda.” E sorri contente pelo reconhecimento dos colegas.

Aliás, a carreira musical de Nelson é cheia de encontros musicais com figuras do calibre de Hermeto Pascoal, Antonio Nóbrega, o saxofonista norueguês Rolf-Erik Nystrom e o sanfoneiro alagoano Tião Marcolino. “Já teve gente de chorar quando me vê tocando, eu fico muito feliz”, disse Nelson com gratidão.

Durante a cerimônia de tombamento da cidade de Marechal Deodoro como patrimônio histórico nacional, Nelson fez um improviso com o ministro da cultura Gilberto Gil, sobre a experiência ele diz “foi bom que só conhecer ele, não conheço as músicas dele, mas ele é muito gente boa e nos fizemos um repente no palco”.

Perguntei que tipo de música ele gosta de ouvir, Nelson disse que “foi música, eu gosto, nasci com isso. No começo, eu tocava Asa Branca, do Luiz Gonzaga na praia, e todo mundo gostava, aí depois toquei essa mesma música no Programa do Jô. Na hora Deus me iluminou e eu toquei ela bem bonita”.

Discografia:
*Caranguejo Danado
*Para os Amigos
*O Segredo das Árvores

Os CDs de Nelson podem ser encontrados a venda na Banca Zumbi dos Palmares, Centro de Maceió. Contato com a banca no (82) 9305-5311.

*MARCELO CABRAL: Compositor, jornalista, produtor cultural, produtor fonográfico. Baixista/vocalista do Coisa Linda Sound System. Discografia: Rochedo de Penedo (2010), Da Vida e do Mundo (2009), Marcelo Cabral e Trio Coisa Linda (2005), Mental (2000).



FONTE

G1
Wikipédia
Overmundo

Nenhum comentário:

Postar um comentário