CUITELINHO
(Folclore recolhido por Paulo Vanzolini e Antônio Xandó)
by Renato Teixeira
Cheguei na beira do porto
Onde as ondas se espáia
As garça dá meia volta
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai, ai
Aí quando eu vim de minha terra
Despedi da parentaia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes bataia, ai, ai, ai
A tua saudade corta
Como aço de navaia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
Os óio se enche d`água
Que até a vista se atrapaia, ai, ai, ai
Paulo Emílio Vanzolini (São Paulo, 25 de abril de 1924) é um zoólogo e compositor brasileiro, autor de famosas canções como "Ronda", "Volta por Cima" e "Na Boca da Noite".
1962 - Noite Ilustrada - Volta Por Cima
É um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ativo colaborador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, que com seu trabalho aumentou a coleção de répteis de cerca de 1,2 mil para 230 mil exemplares.
Criou a Teoria dos Refúgios a partir de estudos conjuntos com o geomorfologista Aziz Ab'Saber e com o americano Ernest Williams. Refúgio foi o nome dado ao fenômeno detectado nas expedições de Vanzolini pela Amazônia, quando o clima chega ao extremo de liquidar com uma formação vegetal, reduzindo-a a pequenas porções. Assim formam-se espaços vazios no meio da mata fechada.
Ícone do samba paulistano, Paulo Vanzolini foi o mestre de cerimônias de um concerto em sua homenagem na Praça da República (palco do Samba) da Virada Cultural 2010. O sambista e zoólogo esteve a maior parte do tempo sentado, acompanhando as interpretações da mulher Ana Bernardo e da amiga Márcia. Entre uma canção e outra, entre um gole de água e outro de cerveja, Vanzolini contava ao público causos e histórias de suas composições.
Nascido em São Paulo, aos quatro anos Paulo Vanzolini mudou-se para o Rio. Aos 18 anos, entrou para a faculdade de medicina, ao mesmo tempo em que passava a freqüentar as rodas de samba na noite carioca. Foi quando começou a compor seus primeiros sambas. Dois anos depois, foi trabalhar com um primo na Rádio América, no programa Consultório Sentimental, da atriz Cacilda Becker.
Bandeira de Guerra - Paulo Vanzolini
Em 1946, Paulo Vanzolini começou a dar aulas no Colégio Bandeirantes e foi trabalhar no Museu de Zoologia da USP. Formou-se um ano depois, casou-se e foi para os EUA, onde graduou-se doutor em zoologia, na Universidade de Harvard.
De volta a São Paulo, foi em 1951 que Paulo Vanzolini compôs seu maior clássico, o samba-canção "Ronda", que se tornaria uma peça obrigatória nos pianos-bar de todo o país a partir de então. Inicialmente, porém, a canção não obteve maior repercussão, lançada por Inezita Barroso.
Ronda - Maria Bethânia
Só faria sucesso real nos anos 60, graças à gravação da cantora Márcia. Depois, voltaria às paradas na voz de Maria Bethânia, que a regravou em 1978. Ainda em 51, Vanzolini lançou um livro de poemas, "Lira". A seguir, foi convidado a atuar na TV Record (SP).
Em 1963, teve seu samba "Volta por Cima" lançado pelo sambista paulista Noite Ilustrada, com grande sucesso, em seu LP de estréia. Era o segundo clássico do compositor, depois regravado à exaustão. Nesse ano, Vanzolini tornou-se diretor do Museu de Zoologia e continuou compondo músicas, muitas delas conhecidas apenas pelos freqüentadores da boate Jogral, onde vez por outra dava canjas.
Em 67, dois de seus amigos – Luís Carlos Paraná e Marcus Pereira – decidiram produzir um LP com suas canções, "11 Sambas e uma Capoeira", interpretada por diversos cantores, tais como Chico Buarque ("Praça Clovis" e "Samba Erudito").
Em seguida, Paulo Vanzolini inaugurou uma parceria com Toquinho, compondo "Na Boca da Noite" (que venceu a etapa paulista do II FIC, da TV Globo), "Boba" e "Noite Longa".
Em 1974, o mesmo Marcus Pereira em seu selo editou mais um LP do compositor, "A música de Paulo Vanzolini", com canções suas interpretadas por Carmen Costa e Paulo Marques, como "Falta de Mim" e "Mulher que Não Dá Samba". Destaca-se ainda em sua obra o samba "Amor de Trapo e Farrapo", composto em 67.
Trailer do filme Um Homem de Moral, de Ricardo Dias. Um Homem de Moral é um documentário musical sobre o compositor e cientista Paulo Vanzolini. Ricardo Dias, que dirigiu os filmes Os Calangos do Boiaçu e No Rio das Amazonas, que contaram com a participação do cientista Vanzolini, desta vez apresenta o Vanzolini compositor - seus sambas, os amigos e a cidade de São Paulo, tema permanente de sua obra musical. Uma produção Superfilmes, 24 VPS e RCSD.
http://www.superfilmes.com.br/
Em 2009, Um dos grandes nomes da música brasileira, o compositor e cientista Paulo Vanzolini (85 anos), presenteou os fãs do samba paulista com a reedição fac-similar do livro Tempos de Cabo, de sua autoria, pela editora Imprensa Oficial.
Para comemorar o lançamento, o Teatro FECAP dedicou duas noites (14 e 15/11/2009) ao compositor, ao lado de Ana Bernardo (voz), Ítalo Perón (violão), Jayme Saraiva, o Pratinha (flauta) e Adriano Busko (percussão).
Entre um número e outro, Vanzolini conversou com o público, revelando histórias curiosas sobre sua vida e obra e recitando trechos de Tempos de Cabo.
Vanzolini ficou apenas um ano na função, mas a experiência lhe rendeu boas histórias. Tanto que, em 1981 esse pequeno período da sua vida culminou no livro "Tempos de Cabo", lançado à época pela editora Palavra e Imagem, com ilustrações do pintor Aldemir Martins.
Quase trinta anos depois, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo decide homenagear um dos grandes nomes da música brasileira com a reedição fac-similar de "Tempos de Cabo".
Em 2009 com 85 anos, Vanzolini conta que escreveu as histórias dentro do próprio quartel, durante o ano em que serviu no Exército, mas o livro só saiu depois que o Aldemir Martins fez as ilustrações. São histórias da boemia na região central de São Paulo, do Bom Retiro, do Bexiga, da malandragem que frequenta os bailes, das brigas, das desilusões amorosas, sempre com o sotaque típico do paulistano da região central.
A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, editora do livro, na gestão do diretor-presidente Hubert Alquéres transformou-se em editora de sucesso, com sua excelência gráfica e editorial reconhecida no Brasil e no mundo.
Prêmios e condecoraçõesPaulo Vanzolini foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.
Em agosto de 2008, o cientista e compositor foi também premiado pela Fundação Guggenheim, em Nova Iorque, em virtude de suas contribuições para o progresso da ciência. O mesmo prêmio foi dado a três outros cientistas brasileiros, em outras áreas além da biologia.
Táxons nomeados em sua homenagem
Alpaida vanzolinii Levi, 1988 - (Arachnida, Araneidae)
Alsodes vanzolinii (Donoso-Barros, 1974) - (Amphibia, Cycloramphidae)
Amphisbaena vanzolinii Gans 1963 -(Reptilia, Amphisbaenidae)
Anolis vanzolinii (Williams, Orces, Matheus, Bleiweiss 1996) - (Reptilia, Polychrotidae)
Cochranella vanzolinii Taylor & Cochran 1953 - (Amphibia, Centrolenidae)
Dendrobates vanzolinii Myers, 1982 - (Amphibia, Dendrobatidae)
Exallostreptus vanzolinii Hoffman 1988 - (Diplopoda, Spirostreptidae)
Gymnodactylus vanzolinii Cassimiro & Rodrigues 2009 - (Reptilia, Phyllodactylidae)
Hylodes vanzolinii Heyer 1982 - (Amphibia, Hylodidae)
Liophis vanzolinii Dixon 1985 - (Reptilia, Colubridae)
Nausigaster vanzolinii Andretta & Carrera 1952 - (Insecta, Syrphidae)
Phrynomedusa vanzolinii Cruz 1991 - (Amphibia, Hylidae)
Psittoecus vanzolinii Guimarães 1974 - (Insecta, Philopteridae)
Saimiri vanzolinii Ayres 1985 - (Mammalia, Primates, Cebidae)
Vanzosaura Rodrigues 1991 - (Reptilia, Gymnophthalmidae)
Documentários
Paulo Vanzolini filmou três documentários com o diretor Ricardo Dias, de cujo pai era amigo. Os dois primeiros sobre o seu trabalho como zoólogo e o terceiro sobre sua obra musical.
Discografia
1967: Onze Sambas e uma Capoeira (vários intérpretes)
1974: A Música de Paulo Vanzolini
1981: Por Ele Mesmo
2003: Acerto de Contas
Parte da Entrevista...
Revista BRAVO! | Julho/2009
As Viagens Musicais de Paulo Vanzolini
Ou: de como as excursões de um biólogo influenciaram a linguagem e a inspiração de um compositor
Por Diogo Schelp
Criador de clássicos da música brasileira como Ronda, o compositor Paulo Vanzolini sempre teve o hábito de escrever diários de viagem. Anotados a lápis ou caneta-tinteiro durante suas expedições como biólogo, à luz de lampião e enquanto abanava os mosquitos, esses manuscritos estão encadernados em uma dezena de grossos volumes de capa vermelha. Numa comparação livre, levando-se em consideração o abismo de épocas, pode-se dizer que Vanzolini é o último dos naturalistas-viajantes.
O músico e cientista, hoje com 85 anos, seria assim o herdeiro da tradição de Spix e Martius, Darwin, Saint-Hilaire, Langsdorff e outros que percorreram o Brasil no século 19, anotando o que viam, colhendo e empalhando espécies animais e pintando a paisagem. Deles, mantém o espírito desbravador e generalista, em extinção em tempos de ciência cada vez mais especializada.
A maioria das páginas de seus diários, como não poderia deixar de ser, contém inventários detalhados dos bichos encontrados nas incursões mato adentro.Mas há também alguns trechos que permitem, de maneira saborosa, entrever a intersecção entre o Paulo cientista e o Paulo artista. Vanzolini é tema de um documentário que está em cartaz nos cinemas, Um Homem de Moral, dirigido por Ricardo Dias. O filme possibilita uma viagem pelo universo musical de Vanzolini, uma vez que ele se estrutura a partir da atividade do compositor. Já a viagem que os diários propõem é mais errática, complexa e surpreendente. Poderia dar origem a outro documentário.
Muitos dos sambas de Vanzolini nasceram da observação astuta e bem-humorada do cotidiano de São Paulo. Praça Clóvis, por exemplo, conta a história de um sujeito que teve a carteira batida na fila do lotação, mas fica feliz porque o furto o livrou da foto de uma mulher de quem havia tempos tentava esquecer. "Tinha vinte e cinco cruzeiros/ e o seu retrato/ Vinte e cinco eu francamente achei barato/ pra me livrarem do meu atraso de vida".
Nos relatos de viagem, o mesmo interesse pelos detalhes aparentemente banais do cotidiano está presente. Em uma expedição ao interior do Maranhão, em janeiro de 1955, o cientista observa com curiosidade a estratégia usada pelos caboclos para lhe vender animais. Escreveu o zoólogo: "O pessoal daqui faz tanto negócio por procurador (vindo o procurado junto como espectador) que nem sei mais quem está vendendo. Há um moleque cujo pai vai caçar calangos mas tem vergonha de vender — manda o moleque, que conta tudo ('me paga logo que meu pai quer comprar uma melancia')".
Na mesma viagem, o cientista anotou a seguinte cena presenciada no banheiro de um hotel em São Luís: "Um semianalfabeto lendo e explicando para um analfabeto completo uma crônica mundana sobre o festival de Punta del Leste — namoros de Ibrahim Sued, que não fala inglês, com uma jovem qualquer fabulosa que não fala português". Sued era colonista social de O Globo.
Vanzolini não faz questão de esconder que nada entende de música. Ele não sabe diferenciar tom maior de tom menor e, segundo Martinho da Vila, não tem ritmo algum. As suas canções são feitas na pura intuição, com fragmentos do que ele próprio chama de sua memória melódica submersa. Pela frequência e interesse com que anotou, em seus cadernos, versos sertanejos e canções de domínio popular, é natural que estes também tenham influenciado sua memória musical e, como consequência, suas composições.
No Maranhão, ele registrou os seguintes versos populares: "Quando eu vim lá de casa/ que passei no caxelô/ fiz um par de alpercata/ dos queixos do teu avô/ só não fiz mais bem feito/ porque o diabo do véio acordou". Semelhante narrativa insolente e desafiadora, típica dos improvisos nordestinos, foi criada por Vanzolini em sua Capoeira do Arnaldo: "Quando eu vim da minha terra/ Vim fazendo tropelia/ No lugar onde eu passava/ estrada ficava vazia/ quem vinha vindo ficava/ quem ia indo não ia". Apesar de ser um compositor urbano, a temática regionalista e os bichos povoam canções como Toada de Luís, O Rato Roeu a Roupa do Rei de Roma e Cuitelinho. Esta última de domínio público e enriquecida pelo zoólogo com duas novas estrofes.
Entre os versos de autores anônimos anotados por ele, e que de outra maneira teriam se perdido para sempre, está uma moda de viola que ele ouviu em uma expedição de 1964 para capturar cobras na ilha da Vitória, no litoral norte paulista. A Moda do Concar conta a história de um navio espanhol que encalhou nas proximidades da ilha e cuja carga, principalmente óleo de oliva, foi saqueada pelos caiçaras. Hoje, alguns moradores mais velhos do Bonete, praia de pescadores em Ilhabela, ainda se lembram com dificuldade de algumas estrofes da canção. Eles reclamam que não podem mais tocá-la: os pastores das igrejas evangélicas que nos últimos anos se estabeleceram na região proíbem as músicas tradicionais, consideradas pagãs.
Em Um Homem de Moral, Ricardo Dias recupera uma cena de um de seus filmes anteriores em que o cientista caminha na mata, com uma espingarda na mão, e discorre sobre o prazer que tem de estar naquele ambiente: "A mata é uma dessas coisas em que o todo é mais do que a soma das partes. Não é só essa luz, essas plantas, esses bichos, essas vozes, mas é esse todo que penetra a gente".
A frase do herpetólogo (especialista em répteis e anfíbios) também serve para descrever as letras de seus sambas. Nelas, o todo é muito mais do que simplesmente a soma das palavras. Há sempre em cada estrofe um elemento oculto, algo que não é dito mas está lá, ajudando a formar uma cena, uma imagem, um sentimento.
Em Teima Quem Quer, por exemplo, Vanzolini apresenta uma discussão entre um homem e uma mulher. Mas o contexto da briga, o motivo que levou o casal a se desentender e o tipo de relacionamento existente entre eles ficam apenas subentendidos.
A elipse também está presente em Cravo Branco, que conta a história de um crime passional. A segunda estrofe do samba descreve o momento em que o sujeito vê o revólver apontado para ele e sua falta de reação. No verso seguinte, a vítima já está desabando no chão. A narrativa omite o tiro.
Em seus diários de viagem, Vanzolini demonstra a mesma habilidade para contar as histórias de maneira concisa, econômica, dando ainda mais dramaticidade aos fatos. Em uma viagem ao Xingu, em 1965, o cientista estabeleceu a base de sua expedição em uma aldeia dos camaiurás. À noite, em longas conversas à beira da fogueira, os índios contavam, com naturalidade e em detalhes, como haviam matado homens de sua própria tribo, em geral por suspeita de feitiçaria.
O zoólogo resumiu assim um assassinato cometido por um índio chamado Wacucuman, a paulada e tiros de calibre .22: "Encontrou o outro na praia. 'Porque está rindo, W.?' 'Porque vai matar você.' Pau, 22 no coco, corpo n'água". Em suas anotações, Vanzolini agradecia a sorte de nenhum feitiço ruim ter sido atribuído a ele, que, médico, tinha fama de pajé na aldeia.
Entrevistei Paulo Vanzolini pela primeira vez quando eu ainda estava na faculdade, para um trabalho de conclusão de curso. A sala onde o biólogo trabalhava, no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, era escura e povoada por répteis conservados em vidros com formol e por pesados livros que envergavam as estantes. Ele me ofereceu café, e eu recusei. O herpetólogo, então, ofereceu cachaça. De cima de um armário baixo, apanhou uma garrafa de álcool de cozinha 92,8º e serviu o conteúdo em duas canecas de metal.
"É para os funcionários do museu não acharem que eu bebo em serviço", explicou, sobre o hábito de guardar pinga no recipiente de plástico. O expediente já havia terminado e o zoólogo estava prestes a dar lugar ao artista. A cachaça escondida no escritório é como o Vanzolini sambista ou os versos ocultos de suas músicas — nem sempre é visível, mas está lá, parte inseparável do todo.
Diogo Schelp é jornalista de Veja.
O FILME
Um Homem de Moral, de Ricardo Dias. Em cartaz nos cinemas.
FONTE
site letras
wikipédia
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