Páginas

domingo, 8 de janeiro de 2012

Rodger de Rogério


Cantor, compositor, professor de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), ator de teatro e de cinema, homem de rádio e, agora também, roteirista, Rodger, junto com Ednardo e Teti, participou do antológico disco Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem, gravado em 1973, e que ficou conhecido como Pessoal do Ceará.

Rodger Rogério, um dos maiores compositores da geração do “Pessoal do Ceará”, lançou em 2004 seu primeiro disco-solo, resultado de participação especial na Feira da Música 2003. O álbum dá vazão a parte de uma obra esmerada, tecida desde a década de 60...


Aos 60 anos, Rodger Rogério recebeu com entusiasmo a proposta de gravar um disco ao vivo, ano passado. Detalhe: em apenas duas horas e meia, com apenas um ensaio com os músicos. “Pense num desafio grande!”, sintetiza o cantor e compositor, que juntamente com Téti e Ednardo lançou, em 1973, o antológico LP “Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem”, mais conhecido por “Pessoal do Ceará”.

Naquele álbum, Ednardo já mostrava “Ingazeiras”, “Terral” e “Beira-mar”; Téti revelava o encanto de sua voz em faixas como “Dono dos teus olhos” e “Curta-metragem”. Esta, de autoria de um compositor cujas marcas pessoais podiam ser percebidas já naquela primeira amostra: Rodger Rogério.

Integrante de primeira hora da turma que em finais da década de 60 se revezava entre os campi da UFC, o bar do Anísio e os programas musicais da TV cearense, Rodger acumula quatro décadas dedicadas ao ofício da composição -o primeiro parceiro, ele revela, foi o “papa” Augusto Pontes, autor, entre letras de canções e tiradas memoráveis, do longo nome oficial do disco já citado.

Artistas em potencial como Fagner, Belchior, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Jorge Mello e Amelinha davam corpo à turma que então se encontrava pelos caminhos de uma outra Fortaleza. Revezando-se entre os corredores do Curso de Física da UFC (em que passou de estudante a professor, até se aposentar como docente) e a música, Rodger se deixou seduzir pelo sonho: juntamente com a esposa, Téti, pegou a estrada para buscar no “Sul maravilha” as oportunidades de dar vazão a uma obra que não mais cabia nos palcos alencarinos.

Para Rodger e Téti, Ednardo e Belchior, uma das primeiras chances em São Paulo foi o programa “Proposta”, da TV Cultura. A idéia era compor canções que ilustrassem a história de cada entrevistado - cerca de oito músicas para cada programa, semanal.

O “Pessoal do Ceará”, alcunha informal do radialista Júlio Lerner, topou a parada (o MPB-4 fora convidado, mas recusou a “proposta”). Dessa verborrágica criação, ficaram canções como “Ingazeiras” (que ilustrou o programa dedicado a Ademir Martins) e “Chão Sagrado” - singular parceria entre Rodger e Belchior, composta a partir de uma menção, vejam só, de Paulo Vanzolini ao Ceará.

Enxergando o potencial daqueles jovens, o polêmico radialista e produtor Walter Silva, o “Pica-Pau”, bancou a aposta. Conseguiu para a turma o contrato de gravação do primeiro disco. Nesse ínterim, porém, Fagner e Belchior já tinham boas perspectivas para discos próprios. Ainda buscando acesso à indústria fonográfica, estavam Rodger, Téti e Ednardo, que conceberam coletivamente “Meu Corpo,...”. Lançado nacionalmente pela Continental, o álbum surpreendeu, mais do que ninguém, o próprio público cearense, tão acostumado a desconfiar dos santos de casa.

Passado o impacto inicial, Ednardo fechou contrato para cuidar de sua carreira solo. Téti e Rodger gravaram então, em 75, “Chão Sagrado”, pela RCA, trazendo mais uma leva de boas composições de Rogério - como a faixa-título, “Bye, bye baião”, “Retrato Marrom” e “O Lago” - e de outros autores cearenses. Os caminhos do tempo levaram o casal, já com os filhos Daniela e Pedro Rogério, a retornar a Fortaleza, onde Rodger era chamado a reassumir suas funções na universidade.

Ao contrário do que pode parecer, mesmo com menor visibilidade desde então, Rodger nunca abandonou a música. Tem canções gravadas por intérpretes como Fagner e Ney Matogrosso e elenca ainda parceiros como Fausto Nilo, Ricardo Bezerra, Dedé Evangelista, o piauiense Clôdo e o pernambucano Capinam. Dedicou-se intensamente à carreira acadêmica e, descobrindo-se ator e participando de diversos filmes, superou a timidez que antes prejudicara sua carreira musical. Entre uma coisa e outra, nunca parou de compor e de se apresentar, em bares e centros culturais da capital.

No entanto, seus encontros com a fonografia se vinham resumindo à participação como convidado em discos de outros autores e projetos especiais. Por incrível que possa parecer - e eis aqui um dado exemplarmente revelador da deficiência das políticas culturais e das dificuldades de um modo geral enfrentadas pelos artistas cearenses, em seu próprio terreiro -, somente agora, aos 60 anos completos em janeiro último, Rodger Rogério lança seu primeiro disco-solo.

O álbum foi gravado ao vivo em 2 de agosto do ano passado, no Café Musical, espaço da Feira da Música. O clima de improviso da apresentação é amenizado pela categoria dos músicos: Aroldo Araújo (baixo), Manassés (violão e viola de 12), Mingo Araújo (percussão) e Pedro Rogério (isso mesmo, o filho do compositor) ao violão. “Em um estúdio, apresentei as partituras, conversamos, tocamos um pouco. Depois, já foi a gravação”, resume Rodger, ressaltando “a emocionante harmonia entre músicos, técnicos e uma platéia de amigos queridos”.

Se é de se pensar que só mesmo no Ceará um artista com a obra e a bagagem de Rodger Rogério seria obrigado a uma estréia tão tardia, melhor é receber esse primeiro registro, compreendendo o contexto que o leva a virtudes e deficiências. São apenas nove faixas, uma amostra mais do que sintética do baú de canções do autor, que assim constrói um breve retrato de sua trajetória. “Preparamos dez faixas, mas uma não teve qualidade. Levamos mais de uma hora passando o som, o que é sempre complicado, em todo disco ao vivo”, testemunha Rodger. “Mas, dentro das condições, gostei do resultado. O instrumental está ótimo, são músicos excelentes, que já conheciam parte do repertório. E a qualidade do som também está muito boa”, avalia.

Quanto ao repertório, o músico reconhece a ausência de canções mais conhecidas, como “Falando da Vida” e “Bye-bye, baião”. “Mas ‘Falando da Vida’ já tem gravações minha, da Téti e do Rogério (Franco, irmão mais novo de Rodger). E ‘Bye-bye, baião’, pela necessidade rítimica, ficava um pouco fora da proposta desse disco”, pontua. “Mesmo enxuto, o repertório mostra bem a minha criação”, emenda.

Ressaltando que já procurou caminhos como a Lei Estadual de Incentivo à Cultura - “Acabou não dando certo...” -, Rodger festeja o “primeiro disco” e já se entusiasma para novos projetos. “Penso em gravar um disco em estúdio, nem que seja só voz e violão, contemplando o repertório que não entrou neste CD. Mas tenho projetos pra um disco de música nordestina, um disco romântico, um instrumental, um infantil em parceria com o Augusto Pontes...”, esmiúça, enquanto revela ainda se estar acostumando à condição de “sessentão”. “São 40 anos de carteira da Ordem dos Músicos e 60 de idade. Qualquer coisa, já ando com o estatuto do idoso no bolso...”, brinca.

Depois de fazer história ao colocar a expressão "Pessoal do Ceará" como sinônimo da boa música feita em seu estado, no início dos anos 70, Rodger de Rogério registra no encarte do disco: "Há uns 30 anos só gravo em discos como convidado e a primeira proposta para um disco solo, em todo esse tempo, me chega em forma de desafio." Desafio que ele venceu do melhor jeito que sabe fazer: composições incríveis e um jeito de cantar só seu.

Com sua voz rouca, Rodger registrou canções famosas de seus discos em dupla com Téti e Ednardo como "Barco de Cristal", a espetacular "Ponta do lápis", uma parceria sua com Clodo Ferreira que foi sucesso na voz de Fagner em dupla com Ney Matogrosso, no compacto simples de 1975 e "Retrato Marron", parceria com Fausto Nilo.


Rodger de Rogério é um disco essencial na discografia da música cearense, um registro histórico. Músicos: Manassés no violão de aço, Pedro Rogério no violão de nylon, Aroldo Araújo no baixo e Mingo Araújo na percussão.

RODGER DE ROGÉRIO - RODGER DE ROGÉRIO


1-Balão da Baía (Rodger de Rogério/Augusto Pontes)
2-Quando você me pergunta (Rodger de Rogério/Antonio José Silva Lima)
3-Barco de Cristal (Rodger de Rogério/Clodo/Fausto Nilo)
4-Curta-metragem (Rodger de Rogério/Dedé Evangelista)
5-Diamond (Rodger de Rogério)
6-Ponta do lápis (Rodger de Rogério/Clodo)
7-Castelo Encantado (Rodger de Rogério/Pepe Capello)
8-Retrato marron (Rodger de Rogério/Fausto Nilo)
9-O lago (Rodger de Rogério/Augusto de Pontes)



Um Pouco Mais de Rodger
Menino nos campinhos das Damas à Gentilândia, Rodger Rogério sonhou pilotar avião, como fez o pai. Cresceu para cantar, mas não esqueceu os sabores e aventuras da infância

Rooodger...!

O grito de dona Monavon acostumou os pés do menino deslizarem pela madeira meio solta dos degraus ligando o quarto à sala de jantar. As paredes da casa eram então amarelas. A João Pessoa já era tida por avenida de bastante movimento na capital cearense, mas ainda não poderia adivinhar o furor com que os motores do século XXI rasgariam o asfalto, substituindo a atmosfera calma por uma polifonia de desafiar os ouvidos e impedir a conversa na calçada, entre o ronco das motos, a buzina dos carros e os freios dos ônibus, que hoje param em frente ao velho sobrado.

Casa de memórias várias para o menino de 64 anos que volta a assuntar o que vai pelas paredes, hoje de cor diferente, mas de idêntica disposição, do sobrado que chama atenção dos olhares mais dispersos da velocidade urbana. Rodger Rogério, cantor, compositor, ator, físico, professor aceita o convite para um passeio pela cidade e alguns dedos de prosa sobre seu tempo de criança na capital cearense.

Um olhar mais de reminiscências agradáveis que de saudades melancólicas para quem, pai de seis filhos, de dois casamentos, se habituou a percorrer diversas vezes os passos desse mistério chamado infância. E cresceu longe do excesso de zelo de hoje, mas também cercado de cuidados. ´Até os 18 anos fui filho único´, conta, citando o nascimento do meio-irmão, Rogério Franco, também compositor. Menino mimado? ´Acho que sim...´, ri-se Rodger, lembrando os cuidados de dona Monavon, hoje aos 88 anos, para ele ainda a mesma ´mãezinha´ dos dias de criança, com quem segue em uma convivência que não prescinde, ao menos, de um telefonema diário.

´Nasci no São Gerardo. Fomos morar na Major Facundo e depois mudamos pra cá. O motivo é engraçado: meu pai andava muito pela Praça do Ferreira, e minha mãe achou melhor ir morar mais longe´, conta, lembrando que as Damas eram ´um fim de mundo´ na Fortaleza dos anos 40 e 50. ´Era tudo de barro. Eu assisti à terraplanagem dessa rua´, testemunha, ao passar pela Samuel Uchôa´. A memória afia o olhar. ´Era muito tranqüilo, não tinha esse casario todo. Aqui era a bodega do seu Válter. A gente ficava lá antes de ir jogar bola, que era a grande diversão da meninada´.

Os vários campinhos despertados pela lembrança ao longo do caminho atestam a importância do futebol. Recordações de freqüentar o campo do Ceará Sporting e de jogar no Cearazim - ´Ganhando uniforme e tudo´. De chegar à categoria juvenil, no Nacional. De disputar as peladas nos campos da outrora fidalga Gentilândia. ´Na praça que hoje é a feirinha era a pelada dos mais parrudos. Ali não era qualquer um que jogava, porque eles jogavam apostando, a dinheiro´.

A emoção fica clara na visita à casa, hoje habitada por Dona Elizete, que atende com gentileza ao pedido de visita do ex-morador. ´Essa casa chama muita atenção, sempre tem gente pedindo pra olhar. Meu sonho era morar aqui´, revela, sobre a casa onde vive há cinco anos. Com Rodger, troca impressões sobre o que mudou e o que permaneceu. ´Os degraus já eram meio soltos, no meu tempo. Agora, esse piso tá igualzinho´, palmilha, visitando o quarto de cima, com janela pra avenida. ´Era o meu quarto. Subia na janela, saía do outro lado. Não sei como eu fazia isso. Daqui se via a rua, que já era movimentada. Era conhecida como avenida da morte, porque os acidentes de trânsito eram tudo aqui´.

A vida escolar do físico que com menos de 30 anos já era professor da USP guarda uma peculiaridade. ´Fui alfabetizado pela minha tia-avó, a vó Goisinha, tia da minha mãe. Ela era aposentada e tinha uma escolinha em casa. Cada fileira de carteira era aluno de uma série diferente. Ela dava aula simultânea, era incrível!´.

´Quando o meu pai morreu, em 53, eu tinha nove anos. Nessa mesma época eu fui atropelado e tive que ir pro Rio de Janeiro, estudei um ano lá´, detalha. ´Voltei e fui pro 7 de Setembro. Depois fiz admissão no Cearense, fiz a 1ª série ginasial lá. Levei pau e pedi pra mudar de colégio´, revela. ´Aí minha mãe arranjou meia bolsa pra eu estudar no Batista, que era colégio de rico. Ainda voltei pro Rio de Janeiro um ano, mas terminei o científico no Liceu, em 63. Em 64, já entrei na Física´.

Trajetória do menino que sonhava em ser aviador. ´Até os oito anos minha vida era no aeroclube. Tinha certeza que ia ser aviador, como meu pai´, destaca. ´Lembro do comandante Ariston, que hoje tem a TAF, e do Celso Filho, um menino que o apelido dele era Piloto. Era filho do Celso Tinoco, piloto do avião do acidente do Castello Branco. O pai morreu, e ele foi o único sobrevivente´, detalha. ´Na infância, meu grande sonho era voar´.

A música não tardaria, porém, a embalar outros sonhares. ´Nessa casa, eu, com uns 12 anos, tava com meu primeiro violão. Minha avó chegou, perguntou de quem era, eu disse que era meu. Perguntou quem tinha me dado, e eu: ´Foi mãezinha´. Aí ela chegou pra minha mãe: ´Ô, Monavon, não comprou logo também a garrafa de cachaça junto não?´.

Na passagem pela praça, o cinema vem à tona. ´Aqui ficava o Cine América. A gente vinha todo dia, só falhava na segunda. Muito caubói, Oscarito e Grande Otelo... Fazia fila´. Depois, a praça, obrigatória. ´Era o lugar do encontro, o ´point´, né?´.

A paixão pelo futebol se estendia ao botão, outra brincadeira ´pule de dez´ entre a meninada. ´Eu fazia botão de quenga de coco, era exímio pra fazer isso. Tinha o time do Ceará, o Flamengo, o campeonato cearense, o carioca... A gente ouvia também, desde pequeno, os jogos no rádio´.

Entre outros amigos de infância, Luciano Diogo Siqueira (´Não gostava muito de ser jogador, mas foi. Era craque!´), Chico Farias (´Era presidente da UNE em 64, quando veio o golpe´) e Heitor Gentil (´Era neto do patriarca´). ´O sonho da meninada era bola, patinete, patins. Tinha também álbum de figurinha, até com artistas locais. Eu preferia as flâmulas. Tentei colecionar uma vez, mas não consegui muito não´, lembra Rodger. ´A praia era outro programa. A gente ia de ônibus, com os meninos mais velhos. Praia do Meireles, Praia Formosa, Praia de Iracema...´.

E o Rodger, pai e avô, arriscaria uma comparação entre sua infância e a de seus filhos e netos? ´Brinquedo eletrônico não tinha, né?´, brinca. ´Mas não dá pra comparar não. Era uma infância boa. Agora, meus primeiros filhos ainda foram bem livres. O Pedrão foi criado solto. Quando a gente foi ver, ele tava pulando da ponte no mar...´, recorda. ´Hoje a criançada fica mais no condomínio. Não digo que seja ruim. É diferente´. A infância persiste.

FONTE

http://musicadoceara.blogspot.com/2007/06/rodger-de-rogrio.html

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=160023

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=580199

Nenhum comentário:

Postar um comentário