sábado, 25 de junho de 2016

No Rancho Fundo


A história de No rancho fundo, composição de Lamartine Babo (1904-1963) e Ary Barroso (1903-1964), datada de 1930, começou a partir de outra canção, denominada "Na grota funda (Esse mulato vai ser meu)", criada por Ary Barroso com versos de J. Carlos, (1884-1950) renomado caricaturista que na ocasião faria sua estréia no teatro de revista. "Na grota funda" foi lançada pela cantora Aracy Cortes na data de 13 de junho de 1930, na revista "É do outro mundo", no palco do Theatro Recreio, RJ.

"Na grota funda"
Na grota funda
na virada da montanha
só se conta uma façanha
do mulato da Raimunda
Matou a nega
com um pedaço de canela
e depois sem mais aquela
foi juntá c'uma galega
Ela morreu
na virada da montanha
vai havê outra façanha
esse mulato vai sê meu
Esse mulato
vai fazendo o que ele qué
já matou duas muié
porque bamba ele é de fato
Se não morreu
vou mansá esse cachorro
na virada ali do morro
esse mulato vai sê meu.

Diz a história que Lamartine Babo esteve na platéia de referida revista, e que não teria gostado de "Na Grota Funda", letra de  J.Carlos e melodia de Ary Barroso; e então, criou a sua própria versão da música, lançando-a dias depois em seu programa "Horas Lamartinescas" na PRB-7, Radio Educadora do Rio de Janeiro. O sucesso inquestionável da nova composição teria causado o rompimento das relações entre J. Carlos e Ary Barroso.

Gravada em disco pela gravadora Victor (disco 33444), foi lançada em agosto de 1931, e publicada pela Mangione (partitura E.M. 41), "No rancho fundo" também foi interpretada no mesmo palco do Theatro Recreio pela cantora chilena Malena de Toledo, na revista "Miss Ester Lina", com estréia no dia 09 de outubro de 1931.


Conta-se que Lamartine Babo não gostou da letra, e sem mesmo pedir licença ao autor, apresentou a composição de Ary pela Radio Educadora com sua própria letra, interpretada pelo Bando de Tangará, assim inaugurando sua parceria em "O Rancho Fundo"; e que J.Carlos não aceitou o fato, pediu explicações, e a desavença com Ary Barroso foi longa.

Ary Barroso escrevera a peça musical chamada “É do Balaco-Baco”, onde incluíu o poema do caricaturista J. Carlos, chamado “Na Grota Funda”, que musicaria, depois. Eis a poesia:

Na grota funda
Na virada da montanha
Só se conta uma façanha
Do mulato da Reimunda.

Lamartine assistiu à revista musical e gostou da melodia. Foi para casa, modificou a letra e nasceu a belíssima No Rancho Fundo.

No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade.


Em 1931, Ary Barroso convidou Elisa Coelho para fazer a gravação de seu samba-canção "No Rancho Fundo", Ary Barroso, que era seu grande admirador, não apenas a escolheu para realizar a primeira gravação de "No rancho fundo", como também a acompanhou ao piano, com Rogério Guimarães ao violão, numa rara gravação, realizada nos estúdios da RCA Victor, onde é cantado integralmente o belo poema que projetou nacionalmente a intérprete.

NO RANCHO FUNDO
(Ary Barroso / Lamartine Babo)
No rancho fundo
Bem prá lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade...

No rancho fundo
De olhar triste e profundo
Um moreno canta as mágoas
Tendo os olhos rasos d'água...

Pobre moreno
Que de noite no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo um cigarro
Por companheiro...

Sem um aceno
Ele pega na viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal
Desse moreno...

No rancho fundo
Bem prá lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria
Nem de noite, nem de dia...

Os arvoredos
Já não contam
Mais segredos
E a última palmeira
Já morreu na cordilheira...

Os passarinhos
Internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza
Enche de trevas a natureza...

Tudo por que
Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Pra uma casa de sapê...

Se Deus soubesse
Da tristeza lá serra
Mandaria lá prá cima
Todo o amor que há na terra...

Porque o moreno
Vive doido de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da cidade...

Ele que era
O cantor da primavera
E até fez do rancho fundo
O céu melhor
Que há no mundo...

Se o sol queimando
Uma flor lá desabrocha
a montanha vai gelando
Lembrando o aroma a cabrocha
no-rancho-fundo

A música No Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo (1930) esteve presente nas trilhas das novelas “Carinhoso” (1973 – Marcio Montarroyos), “Tieta” (1989/1990 - Chitãozinho e Xororó), “Fascinação” (1998 - Ney Matogrosso e Raphael Rabello); na trilha do filme “No Rancho Fundo” (1971 – Paulo Figueiredo), Trilha Sonora Êta Mundo Bom (Chitãozinho e Xororó)...



Versões

1931: Elisa Coelho (compacto 33444 lado A, RCA Victor)
1939: Sílvio Caldas (compacto 34496, lado B)
1948: Isaurinha Garcia
1955: Ary Barroso (disco Encontro Com Ary, Copacabana)
1956: João Donato & Seu Conjunto (disco Chá Dançante, Odeon)
1957: Bola Sete (disco Aqui Está Bola Sete)




1968: Os Maracajás (disco Gatos Bravos)
1970: Miltinho (disco Miltinho E A Seresta, Odeon)
1971: Eduardo Araújo (disco homônimo, Odeon)




1972: Francisco Petrônio e Dilermando Reis (disco Uma Voz e Um Violão em Serenata Volume 6, Continental)
1981: César Camargo Mariano e Hélio Delmiro (disco homônimo, EMI-Odeon)
1989: Chitãozinho & Xororó (disco Os Meninos do Brasil, PolyGram/Philips)




1990: Emílio Santiago (disco Aquarela Brasileira 3, Som Livre)
1991: Elizeth Cardoso e Raphael Rabello (disco Todo O Sentimento, 1991)
1994: Gal Costa e Raphael Rabello (disco Ary Barroso Songbook Vol. 1, Lumiar)
1998: Renato Teixeira (disco Ao Vivo No Rio - 30 Anos de Romaria, Kuarup)




2009: Fábio Jr. (disco Romântico, Sony Music)

2011: Chitãozinho & Xororó, participação de Maria Gadú (disco 40 Anos - Sinfônico)



2014: César Menotti & Fabiano (disco Memórias Anos 80 & 90, Som Livre)
2014: Paula Fernandes (disco Um Barzinho, um Violão - Novelas Anos 80, Vol. 2, Zeca Pagodiscos/Universal)




2016: António Zambujo e Miguel Araújo




Os maiores sucessos de Ary Barroso foram "Aquarela do Brasil", "No Tabuleiro da Baiana", "Boneca de Pixe" (com Luis Iglésias), "Na Baixa do Sapateiro", "Dá Nela", "É Luxo Só", "No Rancho Fundo" (com Lamartine Babo), "Risque", "Faceira" e muitos outros.



Entre os grandes sucessos de Lamartine Babo estão "Teu Cabelo Não Nega" (com Irmãos Valença), "No Rancho Fundo" (com Ary Barroso), "Rasguei a Minha Fantasia", "Isto é Lá Com Santo Antônio", "Chegou a Hora da Fogueira", "Nada Além", "A.E.I.O.U." (com Noel Rosa). Foi o autor dos hinos de 11 clubes de futebol do Rio de Janeiro, entre os quais Flamengo, Fluminense, Vasco da Gama, Botafogo e América seu clube de coração.



José Carlos de Brito e Cunha, conhecido como J. Carlos, (Rio de Janeiro, 18 de junho de 1884 — Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1950) foi um chargista, ilustrador e designer gráfico brasileiro. J. Carlos também fez esculturas, foi autor de teatro de revista, letrista de samba, e é considerado um dos maiores representantes do estilo art déco no design gráfico brasileiro. Seu primeiro trabalho foi publicado em 1902, na revista Tagarela, com uma legenda explicando ser aquele o desenho de um principiante, mas, em seguida, passa a colaborar regularmente com a revista e em abril do ano seguinte já desenha a capa da publicação. Os trabalhos de J. Carlos apareceriam nas melhores revistas de sua época: O Malho,O Tico Tico, Fon-Fon, Careta, A Cigarra, Vida Moderna, Eu Sei Tudo, Revista da Semana e Para Todos.

Fez histórias em quadrinhos com a negrinha Lamparina, mas seus desenhos mais conhecidos são as figuras típicas do Rio de Janeiro, os políticos da então capital federal, os sambistas, os foliões no carnaval e, principalmente, a melindrosa, uma mulher elegante e urbana que surgia com a modernidade do século XX. Juntamente com Raul Pederneiras e com Kalixto formou o triunvirato máximo da caricatura brasileira da Primeira República.

Além de variada, sua obra é bastante numerosa, sendo calculada por alguns em mais de cem mil ilustrações. Nos anos 30 J. Carlos foi o primeiro brasileiro a desenhar Mickey Mouse. Carlos desenhou o personagem em capas e peças publicitárias na revista O Tico Tico. Também foi responsável pela capa primeira edição do Suplemento Infantil do jornal A Nação, suplemento criado por Adolfo Aizen.

Em 1941, Walt Disney visitou o Brasil, Disney ficou impressionado com o estilo de J. Carlos e o convidou para trabalhar em Hollywood, o ilustrador recusou o convite, porém enviou para Disney um desenho de um papagaio que segundo alguns pesquisadores, serviu de inspiração para a criação de Zé Carioca.

No álbum Hoje é Dia de Festa de 1997, o cantor Zeca Pagodinho inseriu desenhos de J.Carlos na capa.


Fonte:



Um comentário:

Daniel Lucavis disse...
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