Música é instrumento de formação e diversão para a crianças - Utilizar o lúdico para ajudar na formação, brincar com sons e palavras, fazer canções atrativas que prendam a atenção dos pequenos e, ao mesmo tempo, estimulem a dança, os pulos, os sorrisos. Se propor a construir um contrabaixo em formato menor, similar a um brinquedo, como fez Ricardo Koctus, do Pato Fu, no disco “Música de brinquedo”, que ganhou o Grammy Latino de melhor disco infantil. Ao observar atentamente as músicas que são feitas hoje no Brasil para esse público, é possível perceber que fazer canções para a crianças é um desafio.
Quando Hélio Ziskind era criança, em meados dos anos 1960, o sucesso entre os pequenos era a Coleção Disquinho, pequenos vinis coloridos que, na realidade, traziam histórias: “Ela era trabalhada pelo Radamés Gnattali, que fazia os arranjos de grandes artistas, e tinha também narradoras incríveis, além do João de Barro, que fez as histórias maravilhosas. Havia a ‘Dona Baratinha’, ‘Festa no céu’, ‘O Macaco e a velha’...
Então você percebe que essa atividade dos músicos que fazem ‘música para adulto’ se voltarem também para a ‘música pra criança’ é um negócio que vem de longe no Brasil”, diz. Um pouco depois, nos anos 1980, Vinicius de Moraes provou a teoria de Ziskind com um dos melhores discos infantis lançados até hoje: “A Arca de Noé”.
Compositor das músicas que marcaram – e marcam – programas como o “Castelo Rá-Tim-Bum”, “Cocoricó” e outros, Ziskind acredita que o aumento na produção de canções infantis é extremamente bem-vindo. “Acho que nós estamos bem, mostrando que a música pode atrair as crianças, mas se a relação com a própria musicalidade não se aprofundar, aquilo seca. Hoje em dia, o lúdico tem uma função formadora para a criança, tanto sozinha quanto interagindo com o adulto. O brincar foi identificado como uma forma de crescimento”, comentou o músico.
Vocalista da “Bandinha”, grupo do Recife que ainda está começando a caminhada na música infantil, Vanessa Oliveira diz que percebia a carência nesse segmento há algum tempo. “Sempre tivemos muito movimento de música, mas era algo voltado para os adultos, criança tinha uma coisa ou outra em datas específicas, como o carnaval, que é sempre com o Palhaço Chocolate. Acho que isso está sendo muito bom, tem muita gente fazendo música para criança. E eles também precisam dessa relação com a música, é importante isso”, afirmou.
A também recifense Lulu Araújo, que acompanhada da irmã gêmea Aninha compõe o grupo “Fadas Magrinhas”, acredita ainda que falta acesso às canções do público infantil. “Acho que alguns grupos, como o Palavra Cantada, o Marcio Coelho e o próprio Ziskind têm muita importância nessa luz jogada a essas músicas. Agora as pessoas estão percebendo que música para criança não precisa ser sem elaboração, sem cuidado. Estamos vendo cada vez mais qualidade nos arranjos, nas composições. Isso também graças aos pais, que estão procurando esse tipo de música, o pai influencia a criança, tem que agradar a eles também, de certa forma. Porque os dois compartilham aquela música em casa”, afirmou.
Ziskind lembra ainda de artistas conhecidos da MPB que estão se voltando para esse segmento da música, como a Adriana Calcanhoto (que se transforma em Partimpim) e o Pequeno Cidadão, projeto de nomes como Arnaldo Antunes e Edgar Scandurra, que tocam e cantam acompanhados de seus filhos. “É algo muito bom, extraordinário, acho que vem da vontade dos artistas que têm filhos, estão passando por esse universo e sentem uma necessidade de dar uma encostadinha nisso. Fora que a música pra criança permite muita experimentação, você pode testar outros sons, formas de cantar. Também abre o leque de assuntos, dá pra falar de alface, de todo mundo já ter sido bebê”, ressalta.
Ziskind, com a guitarra vermelha, compôs canções de
vários programas infantis (Foto: Pedro Abreu / Divulgação)
vários programas infantis (Foto: Pedro Abreu / Divulgação)
Acompanhada de Thiago Hoover, Luccas Maia, Lucas Araujo e Peu Lima, Vanessa Oliveira leva canções que fizeram parte da infância dos componentes da “Bandinha” e mistura com as que estão presentes no cotidiano de seu filho. No setlist, “Carimbador Maluco”, de Raul Seixas, e a Galinha Pintadinha se encontram sem nenhum ruído. “Como eu e meu marido somos músicos, a musicalização em casa é inevitável. Nosso filho está crescendo com música, e isso acaba estimulando a vontade de fazer esse projeto”, comentou animada.
Para Lulu Araújo, a vontade de compor para as crianças veio também do trabalho como professora de música: “Foi quando eu percebi que a coisa era um pouco mais séria. Vi que faltava material criativo, novo. Comecei a explorar, buscar, e encontrei algumas coisas. Então pensei em fazer algo também e vi as respostas positivas deles. Eles cobram coisas diferentes, como o rock, não gostam só daquelas músicas bobas. Chegou a hora de diversificar, a gente fala das coisas que habitam os universos deles, como o dodói, mas com melodias bacanas”.
Por sua vez, Ziskind começou a fazer músicas para crianças dentro da televisão, quando compôs os sucessos de vários programas. Para ele, o segredo foi – e continua sendo – construir canções que o agradem: “Fui trazendo para elas o que eu gosto, como música. E isso fortaleceu uma troca de objeto entre gerações. Quando os pais gostam, passam a oferecer aquilo para a criança, e isso me deixa muito feliz”.
“Quando estou fazendo as canções, nem penso muito na criança, a música tem que ser agradável pra mim. Eu não quero fazer papel de bobo, se não fizer sentido para mim, não canto. Quando faz sentido e é divertido, eu vou em frente. Acho que quem cria para crianças tem que enfrentar esse problema, de manter a atenção da criança viva. Criança não vai a um show assistir uma viagem que está acontecendo dentro de mim, introspectiva, ou a viagem é dela, nossa, ou ela não presta atenção. No show do Pato Fu, por exemplo, é um vínculo com o som. Quando a criança entende aquilo, ela pula dentro da música, não precisa fazer mais nada”, complementou.
Vanessa concorda que cativar os pequenos é tarefa difícil, mas que a recompensa faz valer a pena: “A criança é sincera, quando você consegue cativá-las, o 'feedback' [resposta] é muito mais intenso, eles curtem, querem participar. Tem que gostar disso, de criança, ter paciência e pulso. Mas é maravilhoso, porque a criança é muito pura, muito sensível”.
“É totalmente democrático, a gente não precisa encenar, só precisa ser verdadeiro. Porque elas são muito sensíveis, quando você demonstra que faz aquilo de verdade, principalmente na questão musical, é muito gostoso. E é justamente a resposta sincera, a participação totalmente honesta, que a gente gosta, vê nos olhinhos deles”, acrescenta Lulu Araújo.
Apesar da expansão e do aumento dos grupos voltados para a musicalidade infantil, Ziskind diz que ainda existem dificuldades: “Uma coisa triste é que a Adriana Calcanhoto já toca no rádio, então as músicas da Partimpim, do Pequeno Cidadão, do Música de Brinquedo, por exemplo, tocam. Mas meu trabalho, o Palavra Cantada, e os grupos que seguem por outros caminhos, a gente não entra. E isso faz uma diferença enorme, porque essas músicas precisam entrar normalmente na vida das pessoas. Nós fazemos muitas músicas pop, que serviriam perfeitamente na programação, têm um apelo. Mas ainda há o preconceito, como se a gente morasse num quintalzinho, num cercadinho”.
Lulu Araújo ressalta que os produtos infantis também precisam ser mais baratos: “Tem que levar essa música pra quem não tem acesso à internet, quem não tem dinheiro pra comprar CD. O produto infantil é caro --e isso é uma pena. Isso segrega ainda mais, e criança não combina com segregação, combina com democracia”.
Neste final de semana, a comemoração do Dia das Crianças conta com uma programação extensa e gratuita em diversos pontos do Recife. Nesta sexta-feira (12), o Parque Dona Lindu recebe, a partir das 16h, o Festival da Criança, que conta com um show de banda formada por Marcelo Jeneci, Fadas Magrinhas, Maestro Spok, Renata Rosa, Márcio Coelho e Ana Favaretto. No sábado (13), também às 16h, é a vez de Hélio Ziskind integrar a programação, que conta com outras atrações. No domingo (14) o programa pode ser na Livraria Cultura, às 17h, com show da Bandinha.
FONTE
http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2012/10/musica-e-instrumento-de-formacao-e-diversao-para-criancas.html
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