Dia desses, após assistir mais uma vez o longa My Blueberry Nights (Um Beijo Roubado) do cineasta chinês Wong Kar Wai (Amor à Flor da Pele, 2046 e Felizes Juntos) me vi ansiosa para falar sobre sua trilha e aqui estou.
Pra quem não sabe, My Blueberry Nights é o primeiro filme do cineasta em língua inglesa e conta a história de Elizabeth (Norah Jones), uma jovem que descobre que seu namorado a vinha traindo ao procurá-lo no café de Jeremy (Jude Law), um charmoso jovem inglês que também havia sido abandonado anos atrás pela namorada.
Os dois passam então a dividir suas angústias todas as noites, enquanto ela saboreia uma fatia de torta de blueberry com sorvete.
E vale aqui destacar a linda metáfora da torta, sempre descartada praticamente inteira, com a forma como Elizabeth se sente. O casal conversa, come, ri, compartilha histórias e chora junto, sob a luz azulada do café e os olhos atentos da câmera de vigilância.
Não satisfeita, Elizabeth sai pelo país em busca de um sentido para sua vida, conhecendo pessoas diferentes e se auto-descobrindo. Entre essas pessoas estão um policial (David Strathairn) que é obcecado pela ex-mulher (Rachel Weisz), e uma jovem jogadora de pôquer (Natalie Portman).
Mas não irei me estender na história, uma vez que a intenção aqui é falar sobre a trilha sonora que, neste caso, para muitos, é ainda superior ao filme. Na minha opinião, não se trata de ser ou não superior, mas a música não é simplesmente uma trilha sonora pontuando emoções, ela é quase uma atriz coadjuvante.
Aliás, Wong Kar Wai é um diretor que deixa claro em todos os seus filmes a importância que a trilha e a fotografia têm para a sua narrativa. Não é à toa que ele já deu declarações onde afirma que “nenhum idioma pode definir a música.”
Na trilha sonora de Ry Cooder (Paris, Texas e Buena Vista Social Club), recheada de blues, jazz e folks, além da própria Norah Jones temos Amos Lee, Gustavo Santaolalla e Cat Power em um forte clima de melancolia que casa perfeitamente com a leve granulação da imagem, com a câmera rodando em velocidade lenta, com as cores fortes e vibrantes, com os planos e contra planos profundamente marcados pelo foco que nem sempre está onde o espectador imaginaria.
Sempre que ouço a trilha desse filme, por mais que já a conheça, me surpreendo com o seu clima melancólico, intenso, mas ao mesmo tempo sereno. São 14 faixas que falam por si só e que acompanham ou, em alguns casos, dão toque à cena, como no início do filme, quando “The Story” começa a tocar, nos introduzindo aos personagens e tentando nos contar como aquilo começa. Aliás, essa música foi composta por Norah durante as filmagens.
Enquanto buscava inspiração, Wong Kar Wai viajou de Nova York a Santa Mônica três vezes, ouvindo The Greatest, de Cat Power e nada mais justo do que duas canções do disco estarem ali: “Living Proof” e “The Greatest” que, na minha opinião, dá ainda mais beleza para uma das cenas mais lindas do filme.
Living Proof – Cat Power
Já para os temas instrumentais, o primeiro compositor em que ele pensou foi Gustavo Santaolalla (de Babel e O Segredo de Brokeback Mountain), mas como ele estava ocupado na época, Kar Wai acabou convidando o próprio Ry Cooder que assina três faixas – “Ely Nevada”, “Long Ride” e “Bus ride”. E Santaolalla ainda conseguiu um tempinho para contribuir com a bela e triste “Pajaros”.
Ely Nevada – Ry Cooder
Cassandra Wilson, interpretando “Harvest Moon”, do Neil Young merece um parágrafo a parte. Sua versão é tão bela e tocante que segundo o diretor arrancou lágrimas da protagonista sem que fosse preciso nada além disso, num dos momentos mais emocionantes do filme. Quem assistiu, vai saber do que estou falando.
É interessante ver ainda a reinvenção de “Yumeji’s Theme”, feita por Chikara Tsuzuki já utilizada em “Amor à Flor da Pele.” A reutilização de algumas músicas é característica já marcante nos filmes de Kar Wai, o que, de certa maneira, ele explica no encarte do disco da trilha de 2046:
“Os trechos musicais obedecem a ciclos, ao sabor das lembranças e dos esquecimentos. Uma partitura pode ressurgir de um filme a outro, mas ela convida à mesma viagem, semelhante a um trem que refaz indefinidamente o mesmo trajeto. Os pedaços se misturam uns aos outros; uma impressão nova se acrescenta à precedente sem chegar a apagá-la inteiramente”.
Por fim, não dá pra deixar de destacar que justamente as cenas dos beijos não possuem nenhuma trilha ou efeito sonoro, apenas o silêncio. Algo que não deixa de ser totalmente poético, bem ao estilo Kar Wai.
Um Beijo Roubado
Título original: My Blueberry Nights
Ano de Lançamento: 2008
Gravadora: EMI
Faixas:
1.The Story – Norah Jones
2. Living Proof – Cat Power
3. Ely Nevada – Ry Cooder
4. Try a Little Tenderness – Otis Redding
5. Looking Back – Ruth Brown
6. Long Ride – Ry Cooder, My Good Eye
7. Eyes on the Prize – Mavis Staples
8. Yumejis Theme (Harmonica Version) – Chikara Tsuzuki, Shigeru Umebayashi
9. Skipping Stone – Amos Lee
10. Bus Ride – Ry Cooder
11. Harvest Moon – Cassandra Wilson
12. Devils Highway – Hello Stranger
13. Pajaros – Gustavo Santaolalla
14. The Greatest – Cat Power
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