domingo, 5 de julho de 2009

Luiz Calanca: A coleção do dono da Baratos Afins


Quando eu criei a Collector´s Room, um dos caras que sempre desejei entrevistar era o Luiz Calanca. Proprietário da Baratos Afins, uma das mais emblemáticas e tradicionais lojas de discos do Brasil, o Calanca desperta uma curiosidade imensa em quem gosta de música, afinal, além da loja, possui um selo e, acima de tudo, uma coleção que desafia todos os limites. Convidei ele para participar, conversamos bastante, e, uma sexta à noite, fui checar meus e-mails em casa e, finalmente, recebo uma mensagem enorme do Luiz, com todas as perguntas que enviei para ele respondidas, repletas de informação.



Confesso pra vocês que eu me emocionei, muito e várias vezes, enquanto lia o que esse senhor de 54 anos colocou em palavras. O amor que o Calanca sente pela música é o mesmo que eu, que você, que qualquer pessoa que já tenha ficado olhando para o vazio ao ouvir uma balada ou corrido até a geladeira pegar uma cerveja enquanto toca aquele hard rock contagiante, já sentiu, várias e várias vezes.

Essa entrevista com o Luiz Calanca foi antológica para mim, uma das melhores que eu fiz desde que a Collector´s Room entrou no ar. Eu espero que vocês, meus leitores, curtam tanto quanto eu curti. Leiam, se emocionem, e percebam que a música é, acima de tudo, transcendental.

Luiz, pra começar eu gostaria que você se apresentasse e contasse um pouco da sua história para os nossos leitores.

Meu nome é Luiz Calanca, tenho 54 anos, e vou fazer 29 de Baratos Afins no dia 24 de maio. Antes eu era farmacêutico, mexia com remédios.

Ir para o ré maior foi um pulinho. Fazia bailes nos fins de semana, tinha dois pares de sapatos furados e algumas camisas brancas rasgando, e sempre um disco novinho. Quando minha filha Carolina estava para nascer, não tive escolha, tive que sacrificar alguns discos de minha coleção para comprar o enxoval do bebê.

Como foi o seu primeiro contato com o rock?

Eu trabalhava num serviço de alto falante e minha função era ouvir entre cinco ou mais cópias de um mesmo disco e selecionar a que estava em melhor estado para meu chefe depois tocar. Os números de cópias iguais se dava porque antigamente os discos eram feitos de cera de carnaúba, rodavam em 78 rotações por minuto e se desgastavam conforme iam tocando, então quando as pessoas mais endinheiradas gostavam de uma determinada obra elas compravam várias cópias iguais.

Eu gostava de ouvir Cauby Peixoto, Baby Santiago, Bob Nelson, e já tinha alguns em 33 1/3 rpm de nomes como Cely & Tony Campelo, Ronnie Cord, Sergio Murilo, etc. Depois veio a Jovem Guarda, Renato & Seus Blues Caps, Erasmo e Roberto Carlos, George Freedman, Brasilian Beatles e muito mais. Nesse período geralmente tudo eram versões que ouvíamos antes do original chegar por aqui. Quem trazia esses discos era o Ronnie Von, que era um cara super antenado com o que rolava la fora.

Quando você percebeu que a paixão pela música não tinha cura e iria acompanhá-lo por toda a vida?

Acho que depois de ter minha equipe de baile, quando eu já tinha uns 2.000 compactos e quase 1.000 LPs.


Luiz, você consegue dizer em que momento se transformou de um fã normal de música em um colecionador?

Na verdade ainda continuo achando que não sou lá muito normal, mas acho que me tornei um colecionador mais sério depois de abrir a loja.

Qual o tamanho da sua coleção?

Tenho aproximadamente 15.000 LPs e perto de 2.000 compactos, porque fiz uma limpeza deixando os mais seletos, mas continuo reciclando, gravando aquela faixa do porque de ter guardado cada álbum. Pretendo ficar com menos, excluindo os esquecíveis.

Não tenho Vídeo Laser, VHs, MP3, nem DVD. Não gosto muito de ver imagens. Às vezes gosto de uma banda, depois vejo imagens dessa banda se rebolando no vídeo e tenho vontade de botar fogo na coleção. Na TV só vejo o jornal. Televisão para mim tem efeito de Vallium, ligo cinco minutos e durmo.

Tenho pouquíssimos CDs, geralmente os de minha produção e de algumas bandas que amo de paixão e não existem em vinil. Não são muitos. Ah, desculpe, é mentira!!! Tenho porradas de CD-Rs caseiros, aquelas demo tapes que o pessoal me manda. Até que tem umas coisas legais, mas no geral é tudo muito ruim mesmo, mas não vou jogar fora porque tenho respeito e mantenho o arquivo. Já houve casos de eu ter a ultima cópia de um material que estava praticamente perdido e devolver para a banda.

Além de colecionador, você é proprietário de uma loja de discos, a lendária e tradicional Baratos Afins. Como é isso para um colecionador? Você pega o que te interessa, encomenda direto das distribuidoras, ou ainda continua comprando em outras lojas?

Encomendo direto das gravadoras e distribuidores e também compro muito de outras lojas, e frequentemente estes mesmos lojistas que me vendem também me recomendam para seus clientes. Também troco CD por vinil com meus clientes e com acervos de rádios transmissores. Aos poucos vou ouvindo tudo e filtrando o que me interessa.

De quais grupos você possui mais material, quais são as suas bandas favoritas?

Pô, é difícil dizer. Um dia eu falei para o Eric Burdon, ex-vocalista da banda The Animals, que eu tinha 34 long plays dele, e ele me disse que eu estava mentindo. Perdi o rebolado, fiquei mesmo muito sem graça e deprimido. Quando cheguei em casa fui conferir. Voltei no outro dia do show e disse a ele que eu realmente tinha mentido: eu tinha trinta e oito, e não trinta e quatro. Ele pagou para ver, e depois me homenageou numa canção dele citando o meu nome e tudo. A música se chama “Black And White World” e está no álbum “My Secret Life”. Eu acho o Eric Burdon uma das maiores vozes do rock de todos os tempos.

Também gosto muito de The Who, Love, Jefferson Airplane, Spirit, Kinks e, claro, Beatles e Stones. Dos anos 70 gosto de Yoko Ono, Captain Beefheart, e das populares Grand Funk, Black Sabbath, Led Zeppelin, entre “trocentas” outras.

Gosto também de muitas bandas dos anos 80 e 90. Acho que o rock deu uma revigorada nos 90. Antes tinha aquelas babaquices das bandas de Manchester, aí veio o grunge e massacrou tudo. Mas gosto mais das bandas da década atual, de 2000 para cá.

No geral me sinto meio “porforoso”, um outsider mesmo. Não suporto o hype em cima de Clash, New Order, Radiohead, Oasis, Strokes e White Stripes. Essas bandas eu não consigo digerir (apesar de gostar do Racounteurs do Jack White).

Cara, em relação ao Radiohead, ao Strokes e ao White Strikes, concordo com você, porque até hoje não entendo o porque de tanta falação em cima destes grupos. Voltando: qual o estilo que você mais gosta?

Quem já foi hippie um dia jamais irá ouvir hip hop ou hard rap. Eu gosto de psicodelia, mas não essas feitas com plugins de laptops, que só tocam em MP3. Gosto de acid rock, beat, folk, etc. Jazz dos mais tradicionais, acustic blues, eletric blues. Dos nacionais, gosto das coisas menos bobas da Jovem Guarda, as menos fossa da Bossa Nova, adoro todo movimento Tropicalista e as banda mais garageiras, com fuzz saturando e válvulas fritando.

Vamos fazer então uma cronologia da sua vida de colecionador: qual foi o primeiro álbum que você comprou, e porque?

Meu primeiro compacto nacional foi o “La Bamba” do Prini Lorez, uma versão nacional do Trini Lopez, e o internacional foi o “House Of The Rising Sun” dos Animals. No formato LP meu primeiro foi o “Between The Buttons” dos Rolling Stones, e o nacional foi o Ronnie Von de 1966, “Girl”, uma versão dos Beatles que virou “Meu Bem”. Eu achava que era o que tinha de melhor naquela época e naquela loja, embora eu não tinha muito critério para comprar discos nem muitas opções. Você ia na loja do bairro e escolhia o que tinha no acervo. Caso você quisesse algo mais especial teria que encomendar

Qual foi o número máximo de itens que você já adquiriu de uma única vez?.

Acho que foi quando eu comprei a coleção do Johnny Alf, um dos precursores da Bossa Nova. Eram 3.800 álbuns, muitos deles assinados pelos artistas e com dedicatória para o próprio Johnny.

Deve ser uma coleção maravilhosa. Qual item você considera o mais raro da sua coleção?

Um de um cara chamado Wildman Fisher, o “Mothers Larry”, um álbum duplo do malucão da trupe dos Mothers Of Inventions. Este disco parece ser um ensaio com muito falatório e interrupções o tempo todo, aí na última música soa tudo direitinho. A faixa é matadora.

E o mais bonito, qual é pra você?




O álbum “Forever Changes”, do grupo Love.

Existem alguns lançamentos estranhos, e de vez em quando alguns acabam caindo nas nossas mãos. Qual você considera o item mais diferente e curioso do seu acervo?



O álbum “A Coragem de Ayrton Mugnaini”, do Ayrton Mugnaini Jr. Tem também um do Sun Ra e um do Zitron. No geral minha discoteca é basicamente de coisas bem estranhas mesmo, até pelo meu selo tem alguns. O “Calendário da Imaginação” do Plato Dvorak, o “ Agradeça ao Senhor” do Atahualpa y Us Panquis e o “Disco Voador” do Arnaldo Baptista são exemplos típicos de esquisitices, mas me soam bem normais.


Quais aqueles discos que, apesar de estar há um tempão atrás, você ainda não conseguiu para a sua coleção?

Uma versão de “La Bamba” com Los Tres Vagabundos, um trio de mariachis com sombrero e tudo, que era o maior barato, bem melhor que os Prinis, Trinis e Los Lobos da vida.

Como você guarda e conserva a sua coleção?

Separo os nacionais dos internacionais, e alguns outros por assuntos ou estilos, mas tudo em ordem alfabética no geral. Só lavo com água e sabão de glicerina, coco ou neutro. Geralmente lavo quando entra em casa, depois é muito difícil eu lavar porque no geral estão bem protegidos por plásticos especiais. Às vezes, em alguns casos quando vou gravar, passo um daqueles sprays purificadores de ar Gleid ouro preto (esse não tem perfume, outra coisa que também não suporto), um tipo de “desengripa tudo”, um tipo WB40 ou coisa assim, que elimina todos os chiados.

Quais são os itens que você mais gosta entre todos da sua coleção?

Cada dia tenho uma predileção diferente. Se você perguntasse entre os cem mais ficaria muito fácil. Entre os dez mais ficaria difícil, mas o melhor ... melhor mesmo é impossível dizer e sustentar para sempre.

Onde você costuma comprar os itens para o seu acervo? Que lojas você indica, aquelas que possuem os itens mais difíceis de se encontrar, para quem está começando agora a sua coleção?

Na Baratos Afins, é claro (risos).

Você é casado. Como a sua esposa vê essa sua dedicação a sua coleção?

Sou casado, mas com discos separados (risos). Minha mulher me tocou de casa com os discos para o andar de baixo (que virou meu estúdio, com forração acústica do próprio disco pelas paredes, o que evita a ressonância), porque tínhamos discos até em baixo da cama. Continuo trabalhando e dormindo com ela, mas sem discos.

E os seus amigos, já colocaram algum apelido em você depois de todos esses anos dedicados aos discos, ou vêem você como uma espécie de “consultor”, aquele cara que conhece tudo e que tem dicas preciosas para passar?

Me chamam de Legendário, Visionário, e até de Lendia Viva do Rock (risos), mas eu não me importo, então não chega a ser apelido. Quando eu abri a loja eu achava que sabia muito de música. Quase 30 anos depois trabalhando com discos descobri que tenho muito o que aprender. Costumo dizer que sei um pouco de tudo e muito de nada. O universo musical é tão diverso que não existe o cara que sabe tudo.

Certas pessoas me vêem como um consultor, e é aí que eu sempre aprendo um pouco mais, porque a pesquisa te força. Às vezes você polui sua cultura pesquisando bobagens. Em música às vezes têm coisas que você não deve e nem pode saber.

Onde você costuma pesquisar a respeito de discos raros que você está procurando, de novos lançamentos, essas coisas. Em que fontes você busca essas informações?

Antes, além do trabalho na loja, também em minha casa e até no banheiro eu estava com listagens de lançamentos e com quatro ou cinco enciclopédias o tempo todo comigo, à procura de raridades e coisas especiais, mas o mundo digital e a internet vulgarizaram demais o CD. Os fornecedores são tantos que por mais que eu selecione com cuidado corro o risco de morrer com o mico.

Aliás, seria ótimo se eu pudesse contratar uma bruxa com uma bola de cristal que me orientasse o que iria vender. Não adianta uma obra ser rara se é mais raro ainda achar alguém que goste dela. Não importa se o disco é bom se o colecionador tem mau gosto. O que é bom para mim pode não prestar para você. Sempre procuro o que julgo ser o melhor, mas às vezes tenho que me render ao pior porque meu cliente quer.

Esta pergunta todo colecionador adora responder: quais são, para você, os dez melhores álbuns de todos os tempos?

Taí uma pergunta que eu não gosto de responder, porque minha antena se reveza o tempo todo, e dez é muito pouco. Se eu tivesse que passar um tempo na lua só com dez discos ,eu não iria (risos).

Luiz, o que está rolando no seu som atualmente, e o que você recomendaria para os leitores do Whiplash?

No meu som agora está rolando o John Fred And His Playboy Band. A música no momento é “Up And Down”. Fazia uns trinta anos que não ouvia esse disco.

Aos leitores do Whiplash! eu recomendaria o consumo de drogas só musicais, e nunca usar fone de ouvido daqueles que fica atoladinho na orelha, é anti higiênico. Procurar conhecer as músicas de outras gerações e nunca se bitolar num único estilo. Música é diversidade, quanto mais você ampliar seus horizontes musicais mais você perceberá que tem muito a aprender, e aprenderá rapidamente sobre o que não gosta. Quero dizer que: quando você não tem uma formação musical definida, você sempre compra disco por um impulso às vezes doentio, às vezes idiota.

A sua coleção tem um limite? Tipo, você acha que, algum dia, vai parar de comprar discos porque acha que, enfim, tem tudo o que sempre quis ter? Você acha que esse dia chegará, ou ele não existe para um colecionador?

Nenhuma coleção tem fim. Eu esgotei na verdade o meu espaço físico para armazenar. Sempre vou querer ouvir melhor alguma coisa nova que eu gostar, e tantas que ainda nem conheço.

Já parou para pensar com quem os seus discos ficarão quando você estiver mais velho? Quem será o herdeiro da sua coleção no futuro?

Se eu um dia passar necessidade vou ter que comer discos, porque dinheiro mesmo eu nunca juntei. Meu neto, o Murari, que já deu provas de que gosta mesmo de música, é o herdeiro natural, e se ele também tiver que comer, tudo bem, mas fomos educados para não cometermos o crime de furar os discos para ser peça decorativa, como fez o pessoal da Prefeitura de São Paulo na terceira virada cultural. Eu faria uma fundação para ajudar na preservação da memória cultural musical do país.

Ótima iniciativa, e muito bem-vinda, com certeza. O que o rock representa na sua vida?

O rock é o meu estilo de vida, é a minha droga, meu ganha pão. É a cultura e a alienação saudável, minha e de minha família.

Se você tivesse que indicar algumas bandas, e alguns discos, para uma pessoa que nunca teve contato com o rock, o que indicaria?,

As mesmas que eu curto (risos).

Tem alguma história engraçada ou curiosa que aconteceu com você por causa da música, e que te fez pensar algo como “isso só acontece com um colecionador mesmo”?

Quando procurei o disco “Loki” pela primeira vez, cheguei na loja e disse para o atendente: “você tem o Loki do Arnaldo Baptista?”. O cara me respondeu que ele (o Amado) não tinha nenhum disco com esse nome, me mostrando dois álbuns do Amado Baptista, e teimou que eu estava errado (risos). Contei essa história para alguém e chegou no ouvido do Amado, e ele veio me conhecer. Foi tão simpático que passei a gostar do cara.

Luiz, a história da Baratos Afins se confunde com a história do próprio rock brasileiro. Você tem noção da importância da loja e do selo neste processo todo? E como você se sente a respeito disso?

Não, não é verdade. Muito antes de eu abrir a loja o rock já tinha quatro gerações: a do Cauby, Nora Ney, Baby Santiago, Os Vikings; a geração pré-Jovem Guarda, de Sérgio Murilo, Albert & Meire Pavão, Tony Campelo, Incríveis, Jet Blacks, Jordans, Sergei, Roberto & Erasmo, Mutantes, Joelho de Porco, Raul etc, só para citar alguns. E teve uma infinidades de coisas que também ouvi mas nunca vi.

Minha loja foi aberta no fim dos anos 70, e eu só comecei a produzir discos em 1981. Me sinto lisonjeado quando você confunde a história da maneira que você colocou, porque você está falando da sua geração. No geral, para os patrulheiros culturais da grande mídia, a Baratos Afins é considerada uma alienação. A grande imprensa sempre nos ignorou, inclusive quando lancei os discos que hoje são considerados cult, ou clássicos.

Como eu já disse na pergunta anterior, a Baratos Afins, além de loja, também é um selo fonográfico. Neste aspecto, quais são os lançamentos que você mais se orgulha de ter colocado no mercado, e quais você se arrependeu?

Eu nunca me arrependi de lançar nada. Eu sempre fiz o que quis e o que eu gostava, sem nenhuma pressão. Tive sim lamentações de os discos não vingarem, não agradarem ao grande público, venderem muito pouco, coisas assim. Algumas bandas me deram mais prazer ter feito por serem mais agradecidas. Têm outras que guardam uma certa mágoa e querem me responsabilizar por não conseguirem sucesso, mas isso é um problema deles e não meu. Sou amigo de todo o pessoal do meu cast e sempre estou exposto dando a cara à tapa, então prefiro não apontar porque poderia provocar algum constrangimento às não citadas. São quase trinta anos e nunca tive problemas embusteiros com nenhuma delas.


O lançamento dos dois volumes da coletânea “SP Metal” nos anos oitenta foram fundamentais para a popularização e a consolidação da música pesada no Brasil. Conta pra nós como foi todo o processo na época, com escolha das bandas, lançamento e repercussão do disco ao longo dos anos.

A escolha foi muito natural. Acabei escolhendo as bandas que estavam mais envolvidas com o movimento. Nesta época eu andava com um gravador de rolo por todo lado e registrava tudo. Abríamos espaços para tocar no bico do coturno.

Nesse período o Antônio Celso Barbieri era um cara que empresariava essas bandas, arrumando shows nos espaços mais inimagináveis possíveis. Qualquer buraco que tinha uma tomada lá estávamos nós. O espaço maior era talvez a Praça do Rock, no parque da Aclimação. Tinha show todo último domingo do mês, e as reuniões para escolha das bandas que iriam tocar ou eram feitas na Baratos Afins ou no Jornal do Cambucí.

A escolha era honesta e justa, tanto é verdade que o espaço da Praça quem primeiramente conquistou foi o Dalam Júnior, da banda Mercúrio, que também tocou lá e ficou de fora do disco.

A Praça começou a atrair o grande público e, consequentemente, o interesse de patrocinadores. Uma companhia já estava vendendo dois caminhões cheios de cerveja e, não contente, mudou a praça para um espaço maior, que era o Parque do Carmo, na zona leste de São Paulo, contrataram bandas já famosas e passaram a pagar cachê (os fundadores e idealizadores nunca ganharam nada). Bandas como a Gang 90, que fazia sucesso na novela da Rede Globo, a “Perdidos na Selva”.

No segundo e último evento da nova praça teve o episódio em que a platéia quebrou todo o equipamento devido a não apresentação da banda Made In Brazil. Tudo porque a produção não tinha equipamento de palco e eles se desentenderam com a banda Salário Mínimo, que não quis emprestar a bateria.

Voltando ao disco, no volume dois teve a desistência de uma banda da pesada que faria o Sepultura soar como uma orquestra sinfônica, o Cérbero, e eles neste período já estavam vendendo os instrumentos que tinham para ir para os EUA. O convite foi feito e eles aceitaram, mas entre o projeto e a realização de um disco levava muito tempo e eles acabaram dando lugar ao Korzus (só para lembrar, eles estão gravando um álbum com um repertório da época e também deixaram um registro ao vivo gravado no Rainbow Bar).

O nosso disco “SP Metal Volumes 1 e 2” não tinha muita qualidade técnica, ninguém tinha boas guitarras nem amplificadores, eram aquelas carcaças de velhos Gianinnis Duovox, quase todos mexidos e remexidos pelo Hélcio Aguirra, que era um tarado por válvulas e talvez o único cara naquele momento que sabia consertar aquelas carcaças oxidadas. Era muito comum amplificadores queimarem a cada show.

Com o disco na praça fizemos muito barulho. Depois disso todo mundo era “headbanger”, até a Rede Globo virou “metaleira”, que era como eles nos tratavam, e nos taxaram de “Os Filhos do Rock In Rio”, que veio bem depois, junto com tantos outros produtores, uns legais outros oportunistas.

Comecei a perceber que o pessoal estava me usando, gozando com o meu pau, então desisti de tudo e fui fazer o jazz do Bocato e a MPB do Itamar Assumpção, e virei o traidor do movimento. Só voltei a gravar rock tempos depois, convertido pela banda The Krents, que eram uns garotos que faziam um rock bem endiabrado e energético, com uma levada para o psychobilly.

O catálogo da Baratos Afins está repleto de ótimos artistas que nunca estouraram (e provavelmente nunca irão estourar) junto ao grande público, mas que conquistaram um grande respeito e respaldo da crítica, como Lanny Gordin, Mopho e muitos outros. Existe uma enorme cena independente no Brasil, longe dos holofotes e do grande público, e grande parte disso se deve ao surgimento da Baratos Afins, que desde sempre incentivou e colocou no mercado trabalhos fora dos padrões musicais e estéticos seguidos pelas grandes gravadoras. Como é constatar tudo isso, sentir que você foi, e é, um personagem essencial para o desenvolvimento do rock no nosso país?

Não me sinto essencial ou especial. Na verdade não sinto nada disso. Eu só fui meio que por acaso o fundador do primeiro selo independente do país então me sinto só o pioneiro. Talvez o pioneirismo acabe influenciando seguidores. Ficar longe dos holofotes não é problema, até porque nem estrela no céu brilha para sempre, e uma obra de arte é para ser apreciada como arte, então ela jamais será descartável, até porque ela não incomoda como a exaustão de um sucesso. Tudo o que toca demais enche. Normalmente o que estoura no rádio também estoura nosso saco.

Numa produção de disco nem sempre se chega a um resultado final tão satisfatório quanto o sonhado, mas a gente faz um esforço para agradar, a começar pela escolha da banda, depois o repertório. Quase sempre escolho tudo errado e sempre quebro a cara, mas quero sempre gravar o que me dá prazer, sem me importar se vai ou não vender, tocar no rádio ou agradar o critico.

Pra fechar, que papel você acha que nós, colecionadores, temos na indústria da música, no mundo e aqui no Brasil?

Nós colecionadores temos o papel da preservação da memória das artes, de juntar e de organizar assunto a conjuntos não limitados de obras de um mesmo ou de diversos autores, para satisfação, entendimento e compreensão própria.

A indústria sabe que somos consumidores vorazes, com vasto catálogo em diferentes segmentos definidos no mercado. A princípio quer apenas vender produtos, e é justamente onde o filão mais brilha que ela menos respeita o consumidor, acreditando vender tudo outra vez e na maioria dos casos com sucesso. Acaba alterando ainda mais a originalidade das obras, alterando as capas, adicionando bonus tracks às vezes de diferentes formações e épocas incompatíveis com a concebida originalmente, e re-remasterizando o já remasterizado, transformando o que era mono em edições de super áudios ou em 5.1 e o raio .... Pombas, eu só tenho duas orelhas!!! (risos)

Luiz, muito obrigado pelo papo. Há muito tempo os leitores da Collector´s Room estavam esperando uma entrevista com você. Esse espaço é seu.

Muito obrigado, queria me desculpar por algum erro de português, de concordância, acentuação, e às muitas aspas. Não sou a voz da verdade, não me levem muito a sério. Sou de falar abobrinhas mesmo. Tudo isso no geral são apenas pontos de vista.




Esta matéria foi publicada muitos anos atrás, está datada, e a coleção mostrada hoje deve ser bem diferente. Mas a matéria continua sendo uma curiosa cobertura sobre uma invejável coleção, e por isso a destacamos.


The 100 Greatest Singers of All Time


Sobre a referencia dele na música “Black & White World”, escrita por Eric Burdon em co-autoria com Marcelo Nova, em 1996, assim se expressou o brasileiro Luiz Calanca, fundador do selo musical e loja de discos Baratos Afins, em página no facebook, em 23/08/2012 

"Sou orgulhoso sim, imortalizado por uma das maiores e mais bela voz da historia do rock de todos os tempos. o ex Animal, Ex War, Eric Burdon , no álbum My Secret Life de 2004..." 

BLACK AND WHITE WORLD 
LIRICS: Eric Burdon & Marcelo Nova

I'm a war child raised from the ashes radium
The sunlight burns my eyes so I pray for the night to come
In the back row darkness I burst my bubble
Because it's there that misfits like me can stay out of trouble 

(chorus)

I live in a black and white world
I love those black and white movies
You see when you're not of this earth
It's not so easy to move me

Me Mike and Mickey were hiding from the daylight
Salivating at the femme fatale her dress is so tight
She whispers in my ear as we dance to white jazz
You got a light baby when she knows that's all I've ever had

(chorus)

Precious white milk skin black and blue bruises
In the backseat of a cab full of rhythem and blueses
We go uptown downtown looking for Luiz Calanca
He's going to get us false passports man and we can
Sail off to Casa Blanca

(chorus)

I'm not afraid of dying anymore
Because it's the only chance I've got to meet my maker
And it's the opportunity I've been waiting for
To say hello and hats off to Josephine Baker

That girl is living in a black and white world
I love those black and white movies 
You see when you're not of this earth
It's not so easy to move me

Black white world black white movies
You see when you're not of this earth 
It's not so easy to move me

Late at night, black and white
Black white black white
Black and white


FONTE

https://whiplash.net/materias/biografias/061219.html


https://www.facebook.com/BaratosAfinsDiscos/photos/a.275164652493624.78429.164450876898336/488064251203662/?type=1&theater

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