sábado, 21 de maio de 2016

Adoniran Dá Licença de Contar...


Adoniran Barbosa o sambista que ajudou a mostrar para o Brasil como era a São Paulo dos anos 30 a 60, que cantava em português errado, de propósito, uma maneira fidedigna de registrar a forma como as classes mais populares de São Paulo se expressavam.

A linguagem da poesia de Adoniran é caracterizada por um vocabulário com muita informalidade, mas não é uma informalidade qualquer, é uma variação linguística sociocultural marcada pelo regionalismo, linguajar popular e pelas gírias. Muitas vezes sem nenhum prestígio social, porém é este modo errôneo, inculto e popular de ser que configurou a maneira de estar... certa e agradar a todos! Foi com essa característica que Adoniran Barbosa manifestou sua arte, quebrando paradigmas e preconceitos linguísticos.

Adoniran Barbosa (1910-1982) foi um importante cantor, compositor, humorista e ator brasileiro. É considerado o patrono do samba paulista, onde as letras de suas canções deixaram peculiaridades que caracterizam sua genialidade linguística e remete-nos à percepção do linguajar da boemia noturna, ou melhor, a linguagem popular paulistana.
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Viveu com simplicidade e alegria. Nunca perdia o bom humor e seu amor por São Paulo, em especial pelo bairro do Bixiga (Bela Vista), que ele, sem dúvida, conseguiu retratar e cantar em muitas músicas suas. Por isso, Adoniran é considerado o compositor daqueles que nunca tiveram voz na grande metrópole.

A lembrança de Adoniran Barbosa não reside apenas em suas composições: temos em São Paulo o Museu Adoniran Barbosa, localizado na Rua XV de Novembro, 347; há, no Ibirapuera, um albergue para desportistas que leva seu nome; em Itaquera existe a Escola Adoniran Barbosa; no bairro do Bexiga, Adoniran Barbosa é uma rua famosa e na praça Don Orione há um busto do compositor; Adoniran Barbosa é também um bar e uma praça; no Jaçanã existe uma rua chamada "Trem das Onze"...


Adoniran deixou cerca de 90 letras inéditas que, graças a Juvenal Fernandes (um estudioso da MPB e amigo do poeta), foram musicadas por compositores do quilate de Zé Keti, Luiz Vieira, Tom Zé, Paulinho Nogueira, Mário Albanese e outros. Está previsto para o dia 10 de agosto o paulista Passoca (Antonio Vilalba) lançar o CD Passoca Canta Inéditas de Adoniran Barbosa.

As 14 inéditas de Adoniran foram zelosamente garimpadas entre as 40 já musicadas. Outra boa notícia é que entre os primeiros 25 CDs da série Ensaio (extraídos do programa de Fernando Faro da TV Cultura) está o de Adoniran em uma aparição de 1972.


A gravadora Kuarup nos brinda com um presente especial: um CD com a gravação de um show de Adoniran Barbosa realizado em março de 1979 no Ópera Cabaré (SP), três anos antes de sua morte. Além do valor histórico, o disco serve também para mostrar música menos conhecidas do compositor, como Uma Simples Margarida (Samba do Metrô), Já Fui uma Brasa e Rua dos Gusmões.


Fora isso, o paulista Barbosa nem se chamava Barbosa de verdade. Verdade seja dita, Adoniran adorava inventar, se reinventou tão bem que Rubinato sumiu, partiu para a maloca. Virou Adoniran de vez. Era tão multifacetado que criou mais de 16 personagens em seus programas de rádio na Record.

Em uma época onde TV era objeto decorativo na casa de gente rica, ele fazia a festa no rádio. Mas nem por isso desistiu de ser galã, chegou a trabalhar um tempo depois na TV, e como Mané Mole participou do longa O cangaceiro, que ganhou a Palma em Cannes em 1953, e foi exibido em mais de 80 países.

Sambista de acaso, sabia como tirar um sarro com a própria dor. Seu humor negro era apreciado por todos, seus sambas trágicos tinham um toque de ironia que marcou suas músicas, como na história da noiva que foi atropelada 20 dias antes do casamento e o noivo só guardou de recordação as meias e os sapatos – De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos/ Iracema, eu perdi o seu retrato.

Seu nome verdadeiro, quer dizer, seu nome era Adoniran Barbosa, mas isso foi o que ele escolheu, sua mãe foi do contra e escolheu um outro, João Rubinato, que significa Deus é Bondoso. Ah, e ele foi! Fez com que os paulistas, tidos como sem ginga e sem graça, ganhassem o melhor sambista do país. Não só isso, ele foi marmiteiro também, tirava de sua vida e sua história material para fazer seu samba – “A matemática da vida lhe dá o que a escola deixou de ensinar: uma lógica irrefutável. Se havia fome e, na marmita, oito bolinhos, dois lhe saciariam a fome e seis a dos clientes; se quatro, um a três; se dois, um a um.”

Sua voz rouca retratou São Paulo como nenhum outro artista conseguiu fazer. Mesmo tendo nascido em Valinhos, foi no Bexiga e no Brás que foi acolhido. Grande observador dos detalhes e fios soltos da vida, ele ria das suas amarguras e ia fundo em suas histórias. Era em suas noites no botequim, atrás de mesas de bar e filosofias tiradas do fundo de copos sujos em cantos do Brás, que ele fez sua história como compositor.

Foram as mesas, ladeiras e o povo que o fez ser quem foi e quem ainda é pelo que deixou. Suas tragédias íntimas e épicos tirados das sarjetas e malocas da cidade fizeram dele um grande contador de histórias. Quando São Paulo está embaixo d’agua por conta dos alagamentos, quem entenderia melhor a dor do paulistano do que ele, que falava do que entendia, do que vivia: Não reclama/ porque o temporal/ destruiu teu barracão/ Não reclama/ güenta a mão, João/ Com o Cebídi aconteceu coisa pior/ Não reclama/ Pois a chuva só levou a tua cama. Era só o que João tinha. Já a casa do Cebídi tava completa e foi toda levada pela enxurrada morro abaixo. Logo, João não tem tanto motivo pra reclamar da sorte.

Adoniran sabia como era difícil para São Paulo ser grande, entendia a dor de ser arranha-céu e de ser barracão. Sampa enfim pode ser consolada através de suas letras. Ele fez a década de 50 tremer, e olha que nem era um dos tremendões. Todos se renderam aos olhos pesados e bigode galante que formavam o rosto boêmio do sambista. Quem não se renderia, até eu daria mole, se ele me desse uma aliança feita com a corda mi do seu cavaquinho – foi o que ele fez na famosa “Prova de carinho”.

Os intelectuais o abraçaram, todos os nerds e universitários de plantão também, mas o povo para quem ele realmente cantava e dedicou a vida, esse se esqueceu dele. No fim da vida, não era tocado em rádios populares e o mercado não dava bola.

Morreu pobre, como quase todo sambista bom morre. Lançou 3 LPs em 40 anos de carreira, tinha fãs de grande nome em seu encalço, como Elis Regina. Exatos 28 anos atrás, o mundo perdeu Rubinato, quer dizer, Adoniran, Charutinho, enfim, ele podia ser quem quisesse, ele se dava esse direito. Parada cardíaca. Uma parada para ele foi o bastante, mas espero que tenha sido de barriga cheia. Só tenho a filosofia/ Que me dá consolação/ Com a barriga assim vazia/ Sei que morrerei/ No necrotério acabaria/ Mas não será de indigestão.

Adoniran não precisa de artigos para explicá-lo, ele mesmo sabia fazer isso, e fazia melhor do que qualquer Barbosa – Eu sou de humilde contato/ Tímido, nem sou loquaz/ Tenho espontâneo relato/ Do meu ego e o que me apraz/ Sou como sou não pedi.

Para quem fazia piada com a Jovem Guarda, o que me restou como Barbosa foi dar esse leve sopro – Porque com eles canta a voz do povo/ E eu que já fui uma brasa/ Se assoprarem posso acender de novo.

Adoniran Barbosa retratou a relação entre a cultura popular e moderna o Compositor abriu espaço para setores marginalizados e desprezados pela história oficial do Brasil

A obra de Adoniran Barbosa é densa, profunda e fascina pesquisadores, o que pode ser comprovado na extensa bibliografia dedicada ao compositor paulista. O livro Adoniran Barbosa, o poeta da cidade(Ateliê Editorial), do historiador Francisco Rocha, por exemplo, vale-se das canções para pensar o processo de modernização do Brasil, o lugar da cultura popular nesse contexto, a urbanização e o crescimento de São Paulo.

Rocha lembra que Adoniran Barbosa viveu no momento em que São Paulo se tornava a grande metrópole brasileira. “A matéria-prima dele é a tentativa de narrar a expansão urbana na perspectiva dos excluídos”, observa o escritor. “Os personagens são o homem comum, o trabalhador informal, o migrante que está chegando à cidade, gente que desenvolve as mais variadas estratégias para sobreviver. São pessoas das quais a história oficial nada fala. Essas biografias ficaram no anonimato, no silêncio”, acrescenta Francisco Rocha.

Além da crítica social e do tom dramático, Adoniran “faz a ponte entre o rádio e a rua”. Na opinião de Rocha, esse tom só foi ouvido com clareza nas gravações dos anos 1970. Ele cita a versão de Elis Regina para Saudosa maloca – cantando os dramas vividos pelo povo, a intérprete reafirmou a resistência à ditadura militar.

“Adoniran tem antena para captar vozes e dramas do homem comum no momento da apologia ao progresso, que nos versos dele, e fazendo crítica a esse discurso, torna-se ‘progréssio’”, explica Rocha. A linguagem e o português incorreto remetem a uma fonte cara à arte do paulista: a cultura oral. Por outro lado, ressaltam a resistência, com tom crítico à cultura oficial.

“Certa vez, ele disse que era preciso falar errado de modo certo”, lembra Francisco Rocha. A prática valeu censura ao artista. Tiro ao Álvaro, de acordo com o músico Sérgio Rosa, do grupo Demônios da Garoa, era considerado pela ditadura militar mau exemplo para os brasileiros. “A autenticidade e a força poética dessa arte se comunicam fortemente”, afirma.

Um casamento feliz, para a vida inteira. Assim Sérgio Rosa, o porta-voz do Demônios da Garoa, define a relação entre Adoniran Barbosa e o grupo. Tudo começou em 1949, durante as filmagens de O cangaceiro – o compositor atuava como ator, o conjunto fazia a trilha sonora. O namoro se fortaleceu com o sucesso, em 1951, da gravação de Malvina.

O estouro veio com Saudosa maloca – gravada por Adoniran, a canção virou hit com Demônios da Garoa. O lado dois do álbum trazia outra pérola, Samba do Arnesto. “Nunca vi Adoniran sorrindo. Ele estava sempre sério, era caladão. Entretanto, quando soltava alguma observação, fazia todo mundo rir”, conta Roberto Barbosa, de 70 anos, cavaquinista do Demônios. “Ele é artista caprichoso, põe a alma na música e sempre teve orgulho de criar o samba gaiato”, acrescenta.

Conviver com o amigo caladão nem sempre foi divertido. “Às vezes, era um chato. Quando gravamos Saudosa maloca, mudamos algumas palavras e criamos vocais percussivos. Bravo, ele disse que havíamos estragado a música”, conta Roberto. Quando veio o sucesso, voltou atrás: “Tá bom, gostei”, disse ele, como relembra o cavaquinista, imitando a voz do compositor.

“Suas canções simples retratam quase que fielmente o cotidiano do povo humilde. Ele foi um dos grandes poetas da nossa terra”, elogia Sérgio Rosa. Para conhecer o compositor na voz do grupo, ele sugere o disco Demônios da Garoa e convidados, comemoração dos 65 anos do conjunto, com participação de Lecy Brandão, Zeca Pagodinho, da bateria da escola de samba Rosa de Ouro e do Fundo de Quintal, entre outros. O grupo abriu o ano comemorando a obra do parceiro em apresentações com a Banda Sinfônica de São Paulo.

1.º edição, 2002
Ayrton Mugnaini Jr.
Editora 34

Sinopse


Ninguém expressou melhor a confluência de caipiras, italianos e malandros suburbanos em São Paulo do que João Rubinato, o genial Adoniran Barbosa (1910-1982). Este livro narra a trajetória desse ícone da cultura paulistana: os incontáveis biscates na adolescência, a iniciação no rádio durante os anos 1930, a criação de algumas de suas canções mais conhecidas e inúmeros "causos" deste inesquecível compositor.

Curiosidades: Adoniran Barbosa


*Trem das Onze, a música que não parou de circular. Composta em 1961, lançada em 1964, traduzida até para o iugoslavo, Trem das Onze fala do homem comum para o homem comum.


*A estação do Jaçanã foi aberta em 1910, próxima ao Asilo dos Inválidos, no Guapira, aliás o nome original da estação. É a mais famosa das estações da Cantareira, pois foi a inspiração para a música Trem das Onze, de Adoniram Barbosa. Trem que, aliás, nunca existiu, pois o último trem saía às 20:30. A estação foi desativada em 1965, com o ramal, e foi demolida já no ano seguinte.


Adoniran Barbosa: o poeta da cidade: trajetória e obra do radioator e ... Por Francisco Rocha
*Adoniran não só combateu como sofreu preconceito linguístico e grafocêntrico. Múltiplas são as variantes encontradas nas composições de Adoniran Barbosa que retrata com êxito o perfil sócio-cultural de uma comunidade.

A Historiografia e a Música Popular se encontram nessa obra de grande interesse à cultura nacional, particularmente a da cidade de São Paulo. Através da trajetória e obra do cancionista, comediante e radioator Adoniran Barbosa, o autor Francisco Rocha pretende resgatar o olhar do compositor às camadas inferiores da cidade. 'Saudosa Maloca', 'Trem das Onze', 'Iracema' e 'História Paulista' são algumas das canções que se destacam do extenso repertório do artista. De suas músicas e demais obras é que foi possível ao historiador o resgate biográfico de Adoniran, método que vem promover uma nova visão sobre os conceitos tradicionais de estudo da cultura popular e, paralelamente, a valorização da criatividade das chamadas pessoas comuns. Mais do que isso, a encarnação do popular no artista faz de Adoniran um agente divulgador da cultura nacional.



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