quarta-feira, 20 de julho de 2011

Fabio Góes


Estreante em carreira solo, Fabio Góes é na verdade um veterano da cena musical independente paulistana. Cantor, compositor e multiinstrumentista, passou por alguns grupos, sendo o Paumandado (cujo disco homônimo saiu em 2003 pela Reco) o mais duradouro deles.

Há quase uma década atua também como produtor musical dedicado a cinema e publicidade. Seu dedo está em trilhas de obras consagradas como "Abril Despedaçado", de Walter Salles (2001), "Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, e também nas do documentário "Pixote in Memorian" (2006), de Felipe Briso e Gilberto Topczewski, e no premiado curta "Balada das Duas Mocinhas de Botafogo" (2006), de João Caetano Feyer e Fernando Valle.

Fábio Góes acabou chegando para muita gente no boca-a-boca. Seu disco, Sol no Escuro, saiu por uma pequena etiqueta chamada Reco-Head, distribuída pela distribuidora indie Tratore.

Difícil separar o Fábio autor do disco do Fábio autor de trilhas - a cada música, aparecem climas diferentes e imagina-se clipes diferentes, como se cada música, no fundo, tivesse sido feita para um filme que só existe na cabeça de Fábio. Ou que ele queira que exista na cabeça do ouvinte. Uma coisa surge lá no fundo, ao se ouvir o clima melancólico e os diálogos piano-violão de algumas faixas: esse poderia ser o som que Guilherme Arantes poderia estar fazendo hoje, ou mesmo uma espécie de lado meio "Clube da esquina" do post-rock. E olha que não é exagero.


Sol no Escuro começa com a faixa título e com "Sem mentira", duas músicas baladeiras e preguiçosas, com discretos arranjos de metais e poucos acordes, além de letras oscilando entre a psicodelia, o romantismo e a experimentação poética. O disco começa a mudar de rumo em "Automático", mais alegrinha, conduzida no violão por um ritmo meio samba-rock. Já "Mundo acumulado", com cara de Jorge Ben, leva a coisa para um lado mais soul-MPB - essa música poderia estar tranquilamente no repertório de Marisa Monte, desde que rearranjada. Pois é, o começo até deu uma enganada, mas Fábio pertence à mesma geração que vem unindo experimentalismos, MPB, rock, melancolia e suingue - e isso fica bem claro no quase rap "Estatística". Não por acaso, um nome bem representativo dessa galera, a cantora paulista Céu, aparece cantando no jazzinho "Sun of your eyes".
 
 
 
Para quem gostou das músicas mais tranquilas do começo, ainda tem faixas como a balada de violão "Mel" e a ensolarada e setentista "Surfista", que por sinal tem uma das melhores letras do disco, usando a figura do surfista como uma espécie de metáfora da vida. E, falando em letras, no fim do disco vale conferir a ironia da quase infantil "Salmão" (sente só "meu salmãozão / gosto de carne crua, mas só quando a carne é sua").

  • Para salvar a música pop
O fim da canção como a conhecemos ainda não chegou, como havia imaginado Chico Buarque no limiar do século 21. Há uma nova geração de compositores, como Fabio Góes, Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Andreia Dias, Pélico, Cibelle e Leo Cavalcanti, que despretensiosamente vem apresentando boas soluções estéticas nessa praia.

Com linguagem pop elaborada, em termos de melodia, arranjos e letras, eles trazem concepções sonoras acessíveis "e ao mesmo tempo apresenta uma sensação que não é comum", como diz Góes, além de visões particulares sobre relações humanas, até mesmo o surrado tema amor.

Em Feito pra Acabar, Jeneci faz música pop de consistência. "É a vontade de salvar música pop", diz Góes, que lança o segundo álbum solo, "O Destino Vestido de Noiva", com show hoje no Estúdio Emme (SP). "Sinto saudade do tempo em que a canção pop surpreendia, como nos anos 1980, com músicas como 'Mensagem de Amor' (Herbert Vianna) e outras de Marina Lima, Lobão, Lulu Santos."

Fabio Góes - O Destino Vestido de Noiva by fgoesmusica

Como "Feito pra Acabar" (Jeneci), "Efêmera" (Tulipa) e "Que Isso Fique Entre Nós" (Pélico), "O Destino Vestido de Noiva" tem diversas faixas - como "Nossa Casa", "Domingo" e as "Plantas", "A Rua", "Fugindo" e "Na Pele" - com cara de hits radiofônicos, como se dizia nos tempos em que as emissoras eram mais democráticas e audíveis. Não que sempre tenha sido fácil emplacar música acima da média. Gilberto Gil, que às vezes Góes evoca viajando no pensamento, até fez "Essa É pra Tocar no Rádio", brincando com essa ideia em 1975. E essa não tocou.

Como, então, chegar ao ponto? "A gente tenta entender até um lugar, daí pra frente é etéreo, é onde as coisas se materializam em música e que não tem muita fórmula. Acontece para uns e para outros não. Quero acreditar que acontece pra mim", diz Góes. "Nossa Casa" é uma boa síntese de sua relação com a música, que, como Zé Rodrix e Thomas Roth, não esconde o background da publicidade, além de trazer influências de Radiohead, Coldplay, Clube da Esquina e o despudor do easy listening.

Da maneira como Góes trabalha com texturas nas canções, a sensação é de água que irriga a terra, em pacientes variações de clima. "Gosto da sensação de irrigação em que você percebe o fluxo, se você se encanta com ele vai te transportar para um outro tipo de movimento, de estado."

"Desde Sol no Escuro" (2007) o nome de Fabio Góes não passou batido entre interessados nessa canção pop que ousa experimentar, sem que essa atitude soe anacrônica ou hermética. O produtor Kassin foi um desses que se impressionaram com o trabalho do compositor paulistano, procurou por ele, e agora além de escrever um texto rasgando a seda sobre seu trabalho, participa do CD tocando baixo em duas faixas.



"Curumin", "Luisa Maita" e seu mestre "Ed Côrtes" (clarinete) também participam. No CD Góes toca vários instrumentos. No show será acompanhado por André Lima (piano e teclado), Dudinha (baixo), LQ (guitarra) e Luiz André Gigante (bateria). Na nação das cantoras também é cada vez mais volumoso o número de compositores que lançam CDs - a maioria muito ruim. Alguns forçados a cantar dentro de fórmulas equivocadas para fazer sucesso instantâneo, sem vocação para ser popular nem consistência para ser elevado a uma categoria artística mais profunda. É aí que Góes, Jeneci, Pélico e outros poucos fazem a diferença.


(Fabio Góes - Sem mentira - Música que faz parte da trilha sonora da série Alcie, da HBO.)


FONTE

INTERNEY

TRATORE

TRIBUNA DO NORTE

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