domingo, 6 de fevereiro de 2011

Marcelo Jeneci


Filho de pernambucanos, o paulista Marcelo Jeneci se criou rodeado por sanfonas no bairro de Guaianases, um dos redutos nordestinos de São Paulo. Seu pai, Manoel, ganhava a vida consertando acordeões e não perdia a oportunidade de exibir à clientela os dotes do menino, que desde cedo dedilhava o instrumento. Muitas das feras que passavam pela casa da família - em geral, ases do forró, como Dominguinhos - davam uma dica ou outra para o aspirante a músico profissional. Mas o sonho de Manoel não era ver o filho tocando gêneros regionais. Ele queria mesmo é que Jeneci virasse pianista de jazz - e daqueles bem virtuosos.

O jovem se tornou uma das principais promessas da música brasileira, elogiado por colegas e jornalistas. Se não seguiu o caminho do jazz, tampouco abraçou os ritmos nordestinos ou o sertanejo. As baladas e os rocks que o cantor e compositor produz têm inspiração essencialmente urbana. No circuito alternativo paulistano, vários artistas de sua geração apostam que ele em breve conquistará as massas sem perder o aval da crítica.

Vale dizer que, embora também seja pianista, Jeneci continua fiel à sanfona. Só que o instrumento se insere em seu trabalho da mesma maneira que no pop da mexicana Julieta Venegas, do francês Yann Tiersen e do grupo canadense Arcade Fire.

Apesar de ter 28 anos, Marcelo Jeneci já tem boa experiência e o primeiro disco, com o patrocínio da Natura e distribuição do selo Slap (Som Livre) como intérprete, nasce depois de colaborações com artistas como Arnaldo Antunes, Luiz Tatit, Zé Miguel Wisnik, Zélia Duncan e Vanessa da Mata.

A primeira música que Marcelo Jeneci compôs, "Amado", foi uma das mais tocadas de 2009, na voz de Vanessa da Mata (sua parceira na canção). A estreia não poderia ter sido mais feliz. Na voz da intérprete, a canção emplacou em A Favorita, novela da Globo e foi eleita pelo público do Prêmio Multishow a melhor canção daquela temporada. "Longe", feita com Arnaldo Antunes, que a lançou, encantou o cantor romântico Leonardo a ponto de ele regravá-la - num registro que, como "Amado", foi parar em trilha de novela. Com José Miguel Wisnik, ele fez, entre outras, a filosófica "Feito pra acabar", que dá nome e fecha seu CD de estreia (Slap/Natura Musical).



Ao final dela, Jeneci quase grita o refrão "A gente é feito pra acabar/ A gente é feito pra dizer que sim/ A gente é feito pra caber no mar/ E isso nunca vai ter fim", e o arranjo épico esvanece num piano em fade out.

O silêncio que se segue (para quem ouve o álbum como um LP, sem shuffle ou repeat) dá a impressão de que algo muito importante acaba de acontecer. E não é efeito apenas das cordas de Arthur Verocai, que conduzem o ouvinte àquele estado de elevação.

Produzido por Kassin, com arranjos de cordas de Arthur Verocai e participações de Curumin e Edgard Scandurra, "Feito pra Acabar" tem vários hits em potencial, como: Pra Sonhar e Copo D'água. Guilherme Arantes, uma grande referência para Jeneci, ouviu o álbum e ficou encantado: "Acho que a carreira dele será brilhante. O Jeneci faz parte de uma geração que vai representar a vitória de tudo aquilo em que eu acreditava quando comecei - o lirismo, a linguagem doce do piano. Ele será meu parceiro no futuro, com certeza".


O disco, que nasceu como candidato a melhor do ano (2010), apresenta um artista maduro aos 28 anos, que conjuga em si - como atestam os nomes que circulam em torno dele, de Leonardo a Wisnik, passando por Vanessa e Arnaldo - diferentes momentos (e camadas) da canção popular brasileira. A mais popular, sobretudo.

"Fui abençoado por um crivo popular, vendo TV aberta e filmes mais do que lendo livros - conta Jeneci. - Cresci ouvindo a música que meu pai consumia: Roberto Carlos, Alceu Valença, trilhas de cinema tipo "Labirinto", "História sem fim", "Carruagens de fogo", Jean-Michel Jarre, essas coisas. Na adolescência, muito rádio e muita novela. Minha formação se deve muito ao fato de eu ter nascido numa periferia (Guaianases, distrito da Zona Leste de São Paulo), onde só chegava o que era mais pop. Não conhecia os discos dos artistas, apenas as canções que tocavam no rádio ou na TV. Não que eu considere privilégio crescer vendo TV aberta ou, por outro lado, lendo filosofia. Penso que as duas coisas são muito valiosas. Só estou dizendo que minha base, o tronco da minha formação, é popular. Tudo o que faço passa um pouco por aí. Os galhos é que me levaram à alta cultura, à poesia mais profunda".

A rotina do filho de Manoel começou a mudar quando o acordeonista Toninho Ferragutti lhe avisou que o cantor Chico César estava saindo em turnê e precisava de um sanfoneiro que tocasse piano. Após uma semana de treino intenso, o adolescente de 17 anos se apresentou, carregando uma sanfona presenteada por Dominguinhos, e ganhou a vaga...

O caminho que levou o menino de Guaianases ao posto de compositor celebrado por colegas e pela popularidade de novelas e rádios começa com a sanfona. Ou melhor, as sanfonas.

Seu pai trabalha com a eletrificação do instrumento, com clientes como Toninho Ferragutti e Dominguinhos, outros dois nomes fundamentais que circundam a história de Jeneci. O primeiro o indicou como seu substituto na banda de Chico César. O segundo deu a ele a sanfona que lhe permitiu aceitar o convite - ele treinava nos instrumentos deixados na loja do pai, não tinha o seu próprio.

"Eu tinha a necessidade de um sanfoneiro que mexesse com eletrônica, com samplers" - conta Chico César. - Ele veio recomendado pelo Toninho Ferragutti, que tocava comigo. Tinha então 17 anos e, já no primeiro show, sem ensaio, tocou tudo certo e até copiou os improvisos do Toninho. Depois fiquei sabendo que ele tocava sanfona havia poucos meses. Tive então de mandar uma carta para um general do Exército pedindo a liberação dele do serviço militar para que pudesse viajar em turnê comigo para a Europa. Era um adolescente mesmo, um menino. Toda a família, os amigos e o pessoal da igreja dele vieram ao aeroporto de Guarulhos se despedir, chorar, fazer recomendações, pedir para que eu tivesse cuidado com ele e tal."



O adolescente se despediu da família e pôs o pé na estrada. Além de Chico, tocou como instrumentista (piano e sanfona) com artistas como Vanessa e Wisnik. E, assim, foi conhecendo o mundo, artistas e universos diferentes daqueles das novelas e rádios de sua infância e adolescência. Um dia, percebendo que tocar músicas alheias - mesmo com um toque autoral - estava ficando pouco, teve o estalo de começar a fazer suas próprias canções:

"Estava viajando com Vanessa. No avião, ouvindo "Ventura", do Los Hermanos, caiu a ficha: "Tenho que comprar um violão e uma guitarra." Quando comecei a tocar esses instrumentos, nos quais não sabia para onde ir e com os quais eu não tinha a menor intimidade, as músicas começaram a nascer. Era um virtuose da sanfona, mas me dei conta de que habilidade excessiva pode atrapalhar a criação. Foi na guitarra que jorraram as canções".



 Sanfoneiro


“Toquei piano e sanfona com Vanessa desde o primeiro disco dela, em 2002, até Sim, em 2007, quando fizemos Amado. A letra é dela. Aprendi muito nesse tempo”, conta.

Boas companhias nunca faltaram no caminho do autor de canções que beijam a perfeição, com delicadeza e certa inocência, como Felicidade, parceria com Chico César: “Haverá um dia em que você não haverá de ser feliz/ Sentirá o ar sem se mexer, sem desejar como antes sempre quis/ Você vai rir sem perceber/ Felicidade é só questão de ser/ Quando chover deixar molhar/ Pra perceber o Sol quando voltar...”.



A grande habilidade na sanfona, por exemplo, ele deve ao ambiente familiar e aos sanfoneiros que deixavam os instrumentos para seu pai eletrificar em Guaianases, Zona Leste de São Paulo. Um deles, o mestre Dominguinhos, foi quem lhe deu a sua primeira sanfona. Com 17 anos, Jeneci já tocava na banda de Chico César.

Marcelo Jeneci, cujo sobrenome não nega a ascendência nordestina (por parte do pai), cresceu ouvindo música popular no rádio, acompanhando novelas na TV e vendo muito mais filmes do que lendo livros.

Roberto Carlos

“Minha base é popular e isso aparece em tudo que faço. Só depois, com o desenvolvimento, é que entre em contato com a chamada alta cultura, a poesia mais refinada”, explica o artista, cujo Feito pra Acabar mescla o melhor de dois mundos: o popular e o independente.

As faixas Longe e, sobretudo, Quarto de Dormir (ambas, gravadas antes pelo parceiro Arnaldo Antunes), mereciam estar em algum disco de Roberto Carlos dos anos 70: “Um dia desses você vai ficar lembrando de nós dois/ E não vai acender a luz no quarto quando o Sol se for/ Bem abraçada no lençol da cama vai chorar por nós/ Pensando no escuro ter ouvido o som da minha voz/ Vai acariciar seu próprio corpo e na imaginação/ Fazer de conta que a sua agora é a minha mão/ Mas eu não vou saber de nada do que você vai sentir/ Sozinha no quarto de dormir...”.

Vocais

Dono de um voz agradável, límpida e de timbre quase adolescente, Jeneci divide os vocais do disco - produzido por Kassin - com a cantora paulista Laura Lavieri, 22 anos.

O anfitrião conheceu Laura quando ela ainda era adolescente e ele preparava um show em homenagem a Chet Baker (1929-1988) com Rodrigo Rodrigues, o pai da moça. Pouco depois, Rodrigo - que integrava o grupo Música Ligeira - morreu, e Jeneci e Laura tornaram-se cúmplices musicais.

“Eu estava me descobrindo como compositor e ficava imaginando minhas canções na voz de Laura”, lembra Jeneci. E, realmente, a voz cristalina de Laura - estudante de psicologia, canto e violoncelo - combina totalmente com as canções do álbum, que tem arranjos lindos de Arthur Verocai, 65 anos, regente de discos de Marcos Valle, Gal Costa, Erasmo Carlos, Jorge Ben Jor e Ivan Lins.

Geração



Marcelo Jeneci, que espera fazer show em Salvador neste Verão, reforça o bloco paulista responsável pela renovação da MPB moderna nos últimos anos: Céu, Mariana Aydar, Curumin, Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Maria Gadú e Luísa Maita, entre outros.

Podemos falar numa cena ou movimento, Jeneci? “Acho que não. Não nos encontramos e temos influências variadas, distintas. Somos, sim, uma geração diferente daquela que formou o rock nacional dos anos 80. Somos mais leves e abertos como compositores, da música sertaneja a Los Hermanos, passando por Lenine e Zeca Baleiro nos anos 90, e cuja formação já inclui naturalmente a eletrônica, a internet, o YouTube etc”.


FONTE

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