sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Pau-Brasil e a Música


É difícil imaginar um mundo onde a madeira não esteja presente, uma vez que ela pode ser empregada das mais diversas formas. Pode ser queimada como lenha ou, no extremo oposto, ser empregada com fins artísticos. A madeira é, por exemplo, matéria-prima para a confecção de diversos tipos de instrumentos musicais e de arcos para instrumentos de corda, como violinos, violoncelos e outros.

A madeira do pau-brasil (Caesalpinia echinata) há muito vem sendo utilizada na fabricação de arcos para instrumentos de corda. No entanto, não se sabe ao certo por que diferentes amostras, mesmo manufaturadas pelo mesmo artesão, resultam em arcos de qualidade diferente. Será que essa variação decorre de diferenças na estrutura da madeira? Outras madeiras brasileiras também poderiam ser empregadas na confecção de arcos?

A madeira de pau-brasil é ideal para confeccionar arcos usados para tocar instrumentos de corda. No entanto, diferentes amostras de pau-brasil, nas mãos do mesmo artesão, resultam em arcos de qualidade sonora diferente, devido às variações nas estruturas celulares da madeira. Por causa disso, o pau-brasil serve de matéria-prima tanto para instrumentos de alta precisão, mais caros, como para a produção de arcos de baixo custo.


Desde que o luthier francês François Tourte projetou o primeiro arco de violino com madeira de pau-brasil (Caesalpinia echinata), em 1775, os músicos não quiseram saber de outra coisa. De forma gradual, mas definitiva, a espécie que deu nome ao país virou a menina dos olhos dos produtores de arcos para violas, violoncelos e afins.

Mas com a proibição do corte pelo Ibama, em 1987, e os estoques limitados para a produção das peças, os chamados archetários começaram a se mobilizar para não perder seu ganha pão. E são eles os principais agentes que hoje lutam para que a árvore não desapareça do mapa.

Usada exaustivamente pelas indústrias de tinturaria e construção desde que as caravelas de Pedro Álvares Cabral aportaram por aqui, a árvore que já cobriu todo nosso litoral ainda não foi extinta, apesar de muitos pensarem o contrário. Sua situação, porém, está longe de ser cômoda. Os exemplares que restaram pingam aqui e ali, principalmente no Norte do Espírito Santo e Sul da Bahia.
Valioso no passado e no presente

O pau-brasil é uma árvore da Família Leguminosae, que integra o grande grupo das angiospermas, ou seja, vegetais que produzem fruto. Registros históricos revelam que, na época do Descobrimento do Brasil, a espécie era abundante em muitas regiões da costa. Hoje, porém, restam poucos remanescentes naturais.

Na época colonial, um número incalculável de árvores de pau-brasil foi abatido e enviado para a Europa. Naquela época, essa madeira era muito valiosa porque de seu cerne (região mais interna do tronco) era extraída a brasilina (C16H14O5), substância que, após oxidação, fornece a brasileína (C16H12O5), corante vermelho natural usado para tingir tecidos.

Como a cor vermelha estava relacionada à nobreza e ao poder, era intensa a demanda por corantes vermelhos de boa qualidade. Isso fez com que o pau-brasil fosse intensamente explorado entre os séculos 16 e 19, quando corantes sintéticos substituíram a brasileína.

Natural das florestas estacionais litorâneas, que integram a Mata Atlântica, o pau-brasil era encontrado, na época do Descobrimento, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Atualmente, restam poucos remanescentes naturais.

Mesmo sendo definida como espécie em perigo de extinção em portaria (006, de 1992) do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, a árvore ainda é alvo de comércio ilegal e vítima da destruição contínua da Mata Atlântica.

Embora só possa ser derrubada em casos especiais, com autorização prévia, a extração ilegal continua, já que há forte demanda da madeira por parte dos produtores de instrumentos musicais.

Essa procura deve-se às suas características únicas de ressonância, densidade, durabilidade e beleza, além da extensão da curvatura, do peso, da espessura e de preciosas qualidades tonais, que a tornam ideal para a confecção de arcos para violino e outros instrumentos.

As ameaças ao pau-brasil levaram a esforços de proteção, realizados por entidades internacionais; e a pesquisas científicas, desenvolvidas em São Paulo , Rio de Janeiro e Bahia, visando garantir a sobrevivência da espécie.

A versatilidade da madeira

A adequação de uma madeira a uma determinada aplicação depende de suas propriedades, como densidade, dureza, cor, desenho, odor, trabalhabilidade (facilidade para ser processada) e outras.

Tais propriedades, em última análise, decorrem do arranjo, do tipo e da proporção das células que a compõem, além da presença ou não de diferentes substâncias químicas, denominadas extrativos, secretadas pelas próprias células (óleos, resinas e outros). Conhecer a estrutura da madeira e seus extrativos permite deduzir os potenciais usos da mesma.

Em termos anatômicos, a madeira é um conjunto heterogêneo de tipos celulares com propriedades específicas para exercer funções como condução de água, sais minerais e hormônios (a seiva ascendente) da raiz até a copa; armazenamento e transporte de substâncias nutritivas, resultantes da fotossíntese; e sustentação do próprio vegetal. Os termos xilema secundário e lenho são sinônimos de madeira.

A madeira divide-se em duas porções: o alburno e o cerne. O alburno, situado próximo à casca, é a porção funcional quando a árvore está em pé; através dele se dá a condução da seiva. No cerne, essa função já foi perdida, e ali são depositados os extrativos, nas paredes e no interior das células condutoras.

São os extrativos que, em geral, conferem ao cerne uma coloração diferenciada em relação ao alburno e muitas vezes aumentam a durabilidade natural da madeira. No pau-brasil, essa diferença de cor entre as duas partes da madeira é bem evidente, mas em muitas espécies ela não existe.

Como os troncos são cilíndricos, a madeira tem três planos de corte: um transversal (perpendicular ao eixo do tronco) e dois longitudinais (no mesmo sentido desse eixo): o tangencial e o radial. As madeiras das árvores do grupo das angiospermas – a imensa maioria das espécies lenhosas de regiões tropicais – têm células que compõem estruturas como vasos, parênquima axial, raios e fibras.

Os vasos, que conduzem a seiva nas angiospermas e distribuem-se ao longo do tronco, são formados por células sobrepostas, com paredes lignificadas (a lignina é uma substância que dá rigidez às células vegetais) e extremidades perfuradas.

A quantidade, o tamanho e a disposição dos vasos desempenham papel importante na determinação das propriedades da madeira. As células do parênquima axial, situadas junto aos vasos, têm como função principal armazenar substâncias nutritivas, na forma de amido. Tais células são menores e têm paredes mais finas do que a dos vasos.

Já os raios (ou parênquima radial), que se estendem da casca até a região central do tronco, atuam na condução de nutrientes no sentido transversal e em seu armazenamento. Madeiras com muito parênquima axial ou radial são, em geral, leves e têm baixa resistência mecânica e pouca durabilidade natural.

As fibras, por sua vez, distribuem-se ao longo do tronco e atuam em sua sustentação. Suas células, em forma de fuso, têm extremidades afiladas e paredes de espessura variável. Normalmente, madeiras pesadas têm fibras com paredes muito espessas, enquanto nas madeiras leves as paredes dessas células são mais finas.

As espécies lenhosas tropicais apresentam uma infinidade de padrões e, em conseqüência, fornecem variados tipos de madeira, com diversas aplicações. Algumas madeiras, no entanto, têm propriedades tão específicas para determinadas aplicações e seu uso é tão consagrado que há enorme resistência à sua substituição.

Elas continuam a ser usadas, independentemente do custo ou da dificuldade de obtenção. Nesse caso enquadra-se a madeira do pau-brasil, tradicionalmente empregada na produção de arcos de instrumentos de corda.

Por que o pau-brasil?

Um fato interessante é que arcos feitos pelo mesmo arqueteiro, com diferentes amostras de pau-brasil, exibem qualidades distintas. Por isso podem ser encontrados, no mercado especializado, desde arcos de pau-brasil de alta qualidade, mais caros, destinados a músicos gabaritados, até arcos de baixo custo, utilizados por amadores e estudantes. Alguns trabalhos científicos apontam que a quantidade de extrativos presentes no cerne interfere significativamente na qualidade do arco.

Os principais extrativos encontrados no pau-brasil são a brasilina, já citada, e a protosapanina B. Esta corresponde a 40% da quantidade total dessas substâncias. Pesquisas já demonstraram que tais extrativos afetam as propriedades vibracionais da madeira.

Segundo seus autores, o pau-brasil apresenta, em comparação com outras madeiras, o menor valor de decaimento vibracional – um arco com baixo decaimento vibracional absorve menos vibrações quando a corda do instrumento é friccionada e permite ao músico “sentir” a fricção da crina com a corda, facilitando o seu manuseio.

Os baixos valores de decaimento vibracional do pau-brasil, segundo estudos, podem decorrer da grande quantidade de brasilina e protosapanina B nele presentes.

No arco do pau-brasil, acredita-se também que variações na própria estrutura da madeira desempenhem papel fundamental. Seguindo esse raciocínio, a análise comparativa da madeira de diferentes amostras de pau-brasil pode ajudar a esclarecer o porquê das variações na qualidade dos arcos.

A madeira do pau-brasil

Para avaliar as variações estruturais entre madeiras de pau-brasil de diferentes origens, comparamos sete amostras (com cerca de 1 cm3) obtidas no ambiente natural e em xilotecas (coleções de madeiras identificadas e registradas). As quatro amostras de árvores vivas foram coletadas de modo não-destrutivo, retirando-se pequenos pedaços do tronco, a 1,3 m do solo, na Reserva Biológica e Estação Experimental de Mogi-Guaçu (São Paulo) e em Porto Seguro (Bahia).

As amostras foram amolecidas por cozimento em água e cortadas com um aparelho capaz de obter fatias muito finas. Algumas, depois de descoloridas com água sanitária, receberam corantes que facilitaram a observação das células e outras foram mantidas com a cor natural.

A observação dessas seções em microscópio, permitiu visualizar detalhes da anatomia da madeira (vasos, parênquima axial, raios e fibras). O estudo foi desenvolvido com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.

A propriedade física mais importante da madeira é a densidade, que pode afetar inclusive outras propriedades. Altas densidades estão relacionadas à baixa freqüência dos vasos que transportam a seiva. A freqüência, o diâmetro e o conteúdo (entre eles os extrativos) dos vasos determinam variações na quantidade dos espaços vazios na madeira e, portanto, em sua densidade.

A quantidade de células do parênquima axial e seu padrão de distribuição também interferem na densidade e em outras propriedades da madeira, como a durabilidade. A madeira do pau-brasil de melhor qualidade para a fabricação de arcos de violino precisa ter, comparativamente, menor freqüência de vasos e menor quantidade de parênquima axial.

A estratificação das células também é diferente nas amostras dessa madeira: em algumas os raios organizam-se em camadas horizontais (estratos) regulares e em outras há irregularidades. A estratificação confere à madeira um aspecto homogêneo, o que sugere que sua presença favorece a qualidade do arco.

Quando as fibras, os vasos e o parênquima axial são retilíneos, com orientação paralela ao eixo do tronco, diz-se que a madeira tem grã linheira, direita ou regular. Se esses elementos não mantêm essa orientação, a grã é dita irregular ou ondulada.

A grã afeta significativamente a velocidade de propagação das ondas sonoras na madeira, influenciando suas propriedades de ressonância. São evidentes, nas amostras, variações na grã.

Em algumas, os constituintes verticais do lenho, em especial as fibras e o parênquima axial, estão dispostos de forma retilínea em relação ao eixo do tronco; em outras a distribuição é irregular. A madeira usada em um arco de violino de ótima qualidade deve apresentar grã direita.

Outra característica de interesse é a quantidade, na madeira, de cristais prismáticos – depósitos, em especial de oxalato de cálcio – encontrados principalmente em células parenquimáticas. Esses cristais afetam a trabalhabilidade das madeiras, dificultando seu processamento devido ao efeito abrasivo que exercem nos dentes das serras e em outros equipamentos. Em diferentes amostras de pau-brasil também é observada grande variação na quantidade desses cristais.

Arcos de outras madeiras

Como é grande a variedade de madeiras disponíveis no mercado brasileiro, outras espécies vêm sendo testadas para fabricação de arcos. Entre elas destacam-se leguminosas como pau-ferro (Caesalpinia ferrea), gombeira (Swartzia aptera) e pau-santo (Zollernia paraensis); moráceas como pau-cobra (Brosimum guianense) e pau-rainha (Brosimum rubescens); e sapotáceas como a maçaranduba (Manilkara elata).

Encontrar a madeira ideal para a confecção de arcos de violino depende de uma avaliação baseada em cinco parâmetros: 1 – trabalhabilidade; 2 – orientação do corte; 3 – textura do conjunto dos elementos celulares axiais e grã; 4 – tamanho e posição dos defeitos da madeira (nós, microtrincas, pequenos orifícios feitos por brocas, cupins e outros organismos); e 5 – dureza (teste geralmente realizado pelo arqueteiro de forma manual).

Levando-se em conta esses aspectos, as madeiras consideradas de alta qualidade (“ouro”) devem ser duras (o que depende principalmente da quantidade e disposição das diferentes células), cortadas nos sentido radial do caule, sem defeitos e com grã linheira ou regular. As de qualidade inferior (“prata” e “bronze”) têm exigências menores quanto a esses parâmetros.

Apenas esses parâmetros, porém, não são suficientes para eleger uma madeira como substituta do pau-brasil. É preciso considerar a densidade e as características anatômicas das espécies alternativas. Essas madeiras (o pau-brasil e as seis citadas) apresentam densidade próxima ou maior que 1 g por cm3. A densidade está diretamente relacionada à quantidade de celulose presente na madeira, e seu valor máximo é de 1,5 g por cm3 (equivalente à densidade da celulose).

A densidade e outras propriedades físicas e mecânicas da madeira são determinadas pela associação de certas características anatômicas, como vasos de pequeno diâmetro, fibras de paredes espessas, raios compactados com poucas células de largura e deposição de óleo-resina no interior das células (principalmente nos vasos). Todas as espécies identificadas como substitutas do pau-brasil apresentam tais características.

Apenas com base na estrutura anatômica, porém, não é possível determinar se amostras dessas madeiras (inclusive a do pau-brasil) fornecerão arcos de qualidade maior ou menor, já que outros fatores também interferem no produto final. Entre esses fatores estão os tipos e a quantidade de extrativos; o teor de lignina e características próprias da parede das células.

No entanto, as diferenças nos vasos, no parênquima e na orientação de fibras e raios, além da quantidade de cristais, devem ser avaliadas quando se busca responder por que a qualidade do arco varia para diferentes amostras da mesma madeira. Deve-se considerar ainda a sensibilidade, a experiência e a “arte” do arqueteiro. Sua capacidade de aproveitar ao máximo o potencial do material que utiliza tem um importante papel na transformação da madeira bruta em arcos com beleza e qualidade.



A Árvore da Música – filme escrito e dirigido por Otavio Juliano e produzido por Luciana Ferraz e Rogério Ribeiro (INTERFACE FILMES e NORTH PRODUÇÕES) fala sobre a ligação direta entre a preservação do pau-brasil e a música.



No site oficial do IBAMA, o pau-brasil é listado como espécie da flora em perigo de extinção. Encontrado apenas na floresta brasileira tornou-se vital para o som dos violinos e outros instrumentos de corda desde os tempos de Mozart.

A música de Beethoven, Brahms, Schubert e seus herdeiros musicais não pode ser executada sem o arco moderno, mas os arcos de alta qualidade somente podem ser feitos a partir da madeira de pau-brasil.

A combinação de rigidez, flexibilidade, densidade, beleza e capacidade de manter uma curva fixa são propriedades que fazem do pau-brasil um material de qualidade e som excepcionais para a fabricação de arcos.

Desde que foi introduzido pela primeira vez há duzentos e cinquenta anos, archetários (luthiers) e músicos de todo o mundo ainda não tiveram conhecimento de uma madeira de qualidade comparável que pudesse substituir o pau-brasil, conhecido no exterior como madeira de pernambuco.



Das matas brasileiras aos maiores teatros da Europa, "A ÁRVORE DA MÚSICA" destaca a importância da preservação da natureza através da estreita relação entre natureza e música, num resgate cultural, histórico e ecológico da árvore que deu nome pais.

O filme A árvore da música é a atração do sábado (25), na TV Brasil. Trata-se de um documentário sobre a importância da árvore pau-brasil para a música erudita, e as consequências que a sua extinção pode trazer para a música.

Encontrado apenas na Mata Atlântica do Brasil, o pau-brasil tornou-se vital para o som dos violinos e de outros instrumentos de corda. Desde os tempos de Mozart, há 250 anos, quando foi utilizado pela primeira vez, músicos e fabricantes de instrumento de todo o mundo ainda não descobriram uma madeira de qualidade comparável que pudesse substitui-lo. Das matas brasileiras às maiores orquestras da Europa, o futuro da música erudita depende da preservação dessa madeira.

No documentário, mestres do violino e do violoncelo falam da importância do pau-brasil e a preocupação deles em não ter essa madeira para os músicos das gerações futuras. Músicos como Joshua Bell, David Garret e o grande violoncelista brasileiro Antonio Meneses explicam as qualidades únicas que fazem dessa madeira o produto perfeito e essencial para se tocar os instrumentos de corda.

Ano: 2009. Gênero: Documentário. País: Brasil / 2009. 78 min. Direção: Otávio Juliano

FONTE

O PAU-BRASIL E A MÚSICA
Matéria publicada na Revista Ciência Hoje, Vol. 39, Número 232, de Novembro de 2006




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aarvoredamusica.blogspot.com

http://tvbrasil.org.br/novidades/?p=10122


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