quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Pessoal do Ceará


Meu corpo, minha embalagem, tudo gasto na viagem. E foi assim que tudo começou. Um título longo e significativo que marcou a estréia, em disco de um pessoal muito especial. Mesmo não sendo um movimento, ou sequer um grupo de artistas com as mesmas propostas estéticas e musicais, o título, Pessoal do Ceará ficou.

Gravado em novembro de 1972 e lançado no ano seguinte, o LP da Continental, sob a produção de Walter Silva (Picapau) e arranjos e regência de Hareton Salvanini entrava para a história como o registro fonográfico que apresenta ao Brasil três artistas que já vinham desenvolvendo em seu estado natal um trabalho musical de qualidade, mas que até então estava restrito à sua região de origem.

Ednardo, Rodger de Rogério e Téti ( na época “Tétty”) dividem os vocais nas dez faixas do álbum antológico que mostrava os primeiros trabalhos dos artistas, mas que também incluía um clássico da música nordestina -Dono dos teus olhos de Humberto Teixeira – na voz de Téti.



A primeira edição do disco, de 1973, tinha a capa acima, que era dupla, servindo de encarte, com as letras e apresentações bem interessantes que vale a pena registrar aqui. Eis o que Walter Silva escreveu na apresentação do disco:

Era um sábado. Sábado à tarde e o rádio mostrava uma das mais inteligentes entrevistas. Nela, Júlio Lerner mostrava ao público de São Paulo um novo grupo. Como não houvesse uma marca, ainda para esse grupo, ele era designado a cada intervalo como Pessoal do Ceará. E no dia seguinte já moravam nos ouvidos da gente a nova informação e o quase susto que as composições e as interpretações dos meninos nos passara. O mesmo produtor levou-os à televisão, onde o grupo tomou parte num dos mais inteligentes programas de São Paulo: “Proposta”. Apresentados ao grupo por Moracy do Val, adotamos a “cidadania musical” cearense de hoje. E eis o disco pronto. Nosso trabalho foi todo feito com o mesmo amor e carinho como se tecem os lindos bordados que esta capa estampa. Ponto a ponto, movidos pelos bilros da amizade fomos nos juntando. Hareton Salvanini, este excelente maestro-cantor-compositor que até agora, vinha trabalhando em publicidade e em trilhas sonoras para cinema e televisão, também juntou-se a nós e como eles, faz aqui sua estréia em disco...a renda vai ficando cada vez maior, que só será completa se você também entrar nela. Rodger Rogério e Tétty são casados e pais de dois lindos filhos. Ele, professor de física da USP, não aparenta os vinte e oito anos que tem. Ela, com aquela voz pequena e incrivelmente afinada, é a “estrela” deste grupo. Todos os desvelos são para Tétty, importante revelação musical deste ano. Ednardo é, talvez, o mais habituado com as transas todas do ambiente, uma vez que até produção de programas musicais já fez. Tem vinte e sete anos e tem mais identificação com o grande público, ao primeiro ouvir, por serem suas obras mais agitadas e comunicativas, nem por isso menos importantes do que as de Rodger Rogério. O Pessoal do Ceará não é um conjunto vocal. É um grupo de novos mensageiros que, cada um à sua maneira, dá o recado mais importante desta temporada
(Walter Silva)

Outro texto interessante da capa interna, provavelmente da autoria de Rodger, diz o seguinte:

“Impossível dizer como tudo começou. Poderíamos partir dos shows do Instituto de Física da Universidade Federal do Ceará (1965). Poderia ser a Escola de Arquitetura, que tornou-se (1966) o ponto de realização das “tertúlias-etílico-lítero-musical e badernosas”. Poderia ser o “Bar do Anísio”onde se bebia todas as fossas, todas as alegrias e se aguardava o sol...
Poderia também ter começado com os galos e cangaceiros de Aldemir Martins ou os traços do Chico Silva... os contos do Juarez Barroso... teria começado no singular movimento revolucionário, sério, satírico, cultural e de danações em geral da “Padaria Espiritual”, 1892-1898, ou ainda na Academia Francesa de Letras (a primeira nacional) ou já mais recentemente no movimento de teatro.
Aderbal Jr.-José Humberto-B. de Paiva-Carlos Paiva-João Falcão-Haroldo Serra
O que se sabe é que, na década de 60, mais especificamente no ano de 1968, deu-se uma avalanche de poesia
Yeda Estergilda-Brandão
De música e pintura. Uma verdadeira algazarra de criação. A partir daí, a ânsia de mostrar, de registrar. As peças e os shows ficavam restritos quase que completamente ao âmbito da universidade.
Braguinha-Rodger-Edson-Petrúcio-Dedé-Augusto Pontes (a quem pertencem as palavras da capa deste disco e as que encerram este texto)-Fausto Nilo-Pepe
Começou-se a “inventar” as caravanas culturais para o interior, para outros estados e até para o exterior.
Cláudio Pereira-Antonio Carlos-Sérgio Pinheiro
Descobriu-se o apelo popular dos festivais de música – “Festival do G.R.U.T.A.”, Festival de Música Popular “Aqui no Canto” - Festivais Nordestinos de MPB – e daí, aos programas de televisão (TV Ceará-Canal 2) e então a vontade de Rio e São Paulo.
Luiz Fiúza-Ricardo Bezerra-Lauro Benevides-César Russeau-Pretextato-Gustavinho-Tânia Araújo.
Xica-Alba-Olga-Tetty-Manoel Ferreira-Ray Miranda-Amelinha-Fatinha e Vavá.
Cirino-Fagner-Jorge Mello-Ednardo-Belchior-Sérgio Costa.
Augusto Borges-João Ramos-Miguel da Flauta-Descartes-Gonzaga Vasconcellos-Neide Maia-Mauro Coutinho-Ivan Prudêncio-Guilherme Neto(Guiba)-Paulo Lima Verde.
Os anônimos e os esquecidos.

Todos esses nomes também fazem parte do “Pessoal do Ceará”. Uns ficaram, outros saíram. Alguns para Rio-São Paulo. Outros, optaram por uma estada em Brasília... “Enfim, comemos muito a cultura nacional e sempre querendo que a “comida” fosse melhor. Continuamos nesse banquete, mas começaram a botar os pratos na mesa, para distribuir o nosso angu...” Mesmo que digam que não, Lauro Maia e Luiz Assumpção estão neste disco.”

Os músicos que participaram do LP são: Rosário Domenico de Carla (piccolo), Demétrio Lima (flauta e sax-alto), Isidoro Longano (flauta, sax, tenor), Francesco Pezzela (oboé-trompa), Elias Sion Jorge Izquierdo , Caetano Finelli ,Mário Tomassoni, Dorisa Soares, Jorge Salim, Alfredo Lattaro, Germano Wajnrot, Antonio Ferrer e Joel Tavares (violinos), Michel Verebes e Yoshitame Fukuda (violas), Flávio Russo e Ézio Pino (cello), Heraldo do Monte (viola e guitarra), Sebastião Gilberto e Geraldo Aurieni, (pistão), Severino da Silva, Renato Cauchioli , Arlindo Bonadio e Iran Fortuna (trombone), Gabriel Bahlis (baixo), Rubens Soares (trumbadora e ritmos), Mario Oliveira (ritmo), Antonio de Almeida (bateria), Ricardo Carvalho (copista), Aloísio de Paula Jr (técnico sintetizador) e José Hareton Salvanini (regência, arranjos, piano e sintetizador).

MEU CORPO, MINHA EMBALAGEM, TUDO GASTO NA VIAGEM
– PESSOAL DO CEARÁ
Selo Continental no. SLP 10.094 – 1973

Lado A

1-Ingazeiras (Ednardo ) – voz: Ednardo
2-Terral (Ednardo ) – voz: Ednardo
3-Cavalo Ferro (Fagner/Ricardo Bezerra) – voz: Ednardo, Tétty e Rodger
4-Curta-metragem (Rodger Rogério/Dedé) – voz: Tétty
5-Falando da vida (Rodger Rogério/Dedé) – voz: Rodger Rogério
6-Dono dos teus olhos (Humberto Teixeira) – voz: Tétty

Lado B

1-Palmas para dar ibope (Ednardo/Tânia Araújo) – voz: Ednardo
2-Beira-mar (Ednardo) – voz: Ednardo
3-Susto (Rodger Rogério) – voz: Rodger Rogério
4-A mala (Rodger Rogério/Augusto Pontes) – voz: Tétty

Deste disco, a Continental lançou um compacto duplo com as canções Ingazeiras/Cavalo Ferro/ Terral / Curta-Metragem. A capa do compacto duplo foi a mesma do LP, só que com o título “Pessoal do Ceará” na frente.

Posteriormente o disco foi relançado, tendo uma outra capa. Mais tarde houve um novo relançamento do LP, só que a essa altura, Ednardo já havia “estourado” nacionalmente com a canção “Pavão Mysteriozo”, tema de abertura da novela da TV Globo, Saramandaia , e o disco foi lançado como “Ednardo e o Pessoal do Ceará”, utilizando as fotos que vinham na capa interna da primeira edição do disco.




Já no ano de 1993, foi lançado um CD, usando a mesma capa do “Ednardo e o Pessoal do Ceará”, só que acrescentando o título “Ingazeiras” ao disco.

Pessoal do Ceará foi um disco produzido pela gravadora Continental em 1973, contendo canções de três artistas do nordeste brasileiro, ainda pouco comercialmente explorados conhecidos apenas por Ednardo, Rodger Rogério e Teti. Eles não eram um grupo, apenas três artistas reunidos que resolveram lançar um disco coletivo para mostrarem seus trabalhos como intérpretes e também suas composições.

O papel do Ceará na música se estende para muito além do forró. O importante momento musical dos anos 60, no qual floresceram a MPB e o tropicalismo no Brasil, também teve grande influência no Ceará, através de artistas como Ednardo, Belchior, Fagner, Amelinha, J. Camelo Ponte e outros, alguns dos quais conseguiram projeção nacional, recebendo da crítica musical o apelido de "pessoal do Ceará".

FONTE

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