sábado, 2 de abril de 2011

Kazinho


O paraense Oscar Azevedo dos Santos, o Kazinho é um dos grandes compositores do samba paulistano. Durante muitos anos, ele fez canções para nomes como: Ciro Monteiro, Demônios da Garoa, Germano Mathias, Noite Ilustrada, Ari Lobo. Kazinho lançou o LP O Samba Como Ele É - Popular Brazil com seus maiores sucessos. Além das divertidas Estou a Zero e Deu a Louca na Nega, Kazinho relembra sua terra natal em Saudade do Pará e reclama dos amores mal resolvidos em obras-primas como: Meu Tipo, Meu Viver e especialmente Eu e a Saudade Pela Rua. Na edição original, não consta a data de lançamento do disco. Kazinho compôs Isto é São Paulo, uma de suas músicas de maior sucesso.

Isto é São Paulo
Composição: Kazinho
by Demônios da Garoa

Mil, quinhentos e cinqüenta e quatro,
Quando de um colégio, deu-se a fundação,
Nasceu a capital de um estado,
Desta nação.
Que seria líder das demais,
Hoje a cidade que mais cresce neste mundo,
É cidade dos arranha-céus,
Maior centro cultural,
E industrial,
No trabalho, vem e vai,
Isto é São Paulo,
Meu Brasil,
Isto é São Paulo,
Meu Brasil.

O trabalho sempre foi seu lema,
Seu ordeiro povo ser trabalhador,
Mostrou em tantas obras sua força, o seu valor,
Obras que só fazem orgulhar,
Túnel Nove de Julho,
Elevado Costa e Silva,
Ibirapuéra, Parque Anhembí,
Corrida São Silvestre,
Estádio Morumbí,
E as estradas, pra rodar,
Isto é São Paulo, meu Brasil.

O seu samba hoje consciente,
Tem entrada franca, no Municipal,
E da aquele recital,
Para quem quiser apreciar,
Suas noites hoje, se aquecem com pandeiro,
Timba, cavaquinho e violão,
Depois o Carnaval, no Anhangabaú,
É samba em festa a desfilar.
Isto é São Paulo, meu Brasil...

"Todo ano eles tocam essa música no 25 de janeiro, quando é aniversário da cidade. Eu estava cantando na noite, numa boate que o Jorge Costa tinha. De repente, eu cantei este samba. Os caras do Demônios da Garoa estavam observando a minha apresentação. Eles gostaram da canção e chegaram em mim: “Kazinho, vai lá que nós vamos gravar o seu samba”. Eles gravaram e é a música que mais me deu direito autoral. Infelizmente, a imprensa só destaca as músicas do Demônios que foram feitas pelo Adoniran. E os outros compositores, como ficam?", disse Kazinho em entrevista ao jornalista *Matheus Trunk.

Sempre fui boêmio. Mas sempre me cuidei. Por isso, vou chegar aos 120 anos”, brinca Oscar Azevedo dos Santos, o Kazinho. Sobre suas composições preferidas ele diz: "Olha...Deu a Loca na Nega é a preferida. Outra que eu gosto muito é Meu Estranho Eu. Essas duas músicas foram para a minha falecida esposa. Ela era manicure, cabeleireira, enfermeira, qualquer coisa que precisasse na vizinhança ela resolvia. Mas teve três derrames e acabou indo embora".

Oscar era chamado de Kazo, que com o tempo acabou sendo apenas Kazinho, mesmo. Kazinho, que nasceu em 1928 em Belém/PA, ficou conhecido pelas letras de sambba-enredo que foram temas de várias escolas de samba. Um dos grandes nomes das noites cariocas e paulistanas, Kazinho cantou em bares, boates, cabarés, como o Cabaré Brasil; e também casas noturnas da capital paulista, onde chegou em 1963. Além do samba, Kazinho ganhou a vida como técnico contábil.

Como compositor, Kazinho foi gravado por artistas de renome nacional como Germano Mathias, Ciro Monteiro, Noite Ilustrada, Demônios da Garoa, entre outros. Nos anos 60, gravou seu único disco como cantor (O Samba Como Ele É).

Kazinho foi compositor da Mocidade Alegre. Faziam parte da escola ele e o compositor Jangada. Também passou pela Imperador do Ipiranga. Desfilou pelas duas e veio cantando o samba na avenida. Ele puxava o samba antes da escola entrar.

Kazinho começou a gostar de música por causa de seus pais. Os dois eram cantores e violonistas. Quando ele tinha quatro, cinco anos eles formaram um bloco carnavalesco. Torcedor do Paysandu, fez parte do juvenil do time quando tinha dezesseis, dezessete anos. Kazinho tinha a fama de ter a testa dura. Quando ele pulava, os outros jogadores tinham medo de pular com ele com medo que ele desse testada neles. "Por isso, o pessoal me respeitava bastante. Eu sempre gostei de jogar nas extremas, seja no ataque ou na defesa. Nunca gostei de jogar no meio", contou Kazinho ao jornalista Matheus Trunk*.

Fã dos cantores Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro, Kazinho conta que Dilermando cantava acompanhado por um chapéu de palha dele, como o Luiz Barbosa de quem ele era uma espécie de discípulo. "Meio calvo, bem carioca. Quando a gente saia era um sarro. Ele falava: “Ei, Kazinho, não precisa vir me bater, não”. Ele com aquele chapéu de palha era um negócio. Ele ia gravar um samba meu, mas ele morreu. O Dilermando chegou a aprender a letra toda, mas depois o samba acabou não sendo gravado", relembra Kazinho.

De Ciro Monteiro as lembranças datam o Rio de 1950. Kazinho conheceu o Ciro em 52. "Ele me chamava de sobrinho, porque eu usava o cabelo igual ao dele. Chegava na roda de samba, ele falava: “Olha, chegou agora o meu sobrinho”. Ele era bom de porrada, mas quando ele ficou com idade me falou: “Meu sobrinho, estou ficando triste porque eu não agüento mais uma briga”. Eu sabia todo repertório dele."

No Rio de Janeiro, Kazinho gravou apenas um compacto com a canção Mulher de Compromisso. "O José Messias não queria trabalhar o meu disco porque dizia que eu estava fazendo apologia ao cara que ficava com a mulher dos outros. O Zé Messias gostava muito das minhas coisas.."

Em São Paulo, Kazinho lembra que recebeu bastante apoio dos compositores Venâncio e o Curumba. "Eles me orientavam muito. Foram os meus pais quando eu cheguei aqui. Gostavam de ver que eu estava na linha, usando roupas finas. Antigamente, todo mundo pra sair tinha que usar terno, gravata, essas coisas. O Venâncio era mais mão aberta".

Sobre Caco Velho, Kazinho conta: "Ah, eu conheci ele no final de vida. Ele tinha um escritório na rua Barão de Itapetininga. Eu conversei várias vezes com ele. Eu queria passar uma música minha pra ele gravar. Ele me falava: “É complicado, meu filho, mas eu já tenho um repertório anotado”. Ele era um cara bom e não era metido a besta. Tem cara que tem um nomezinho e já sobe em pedestal".

E ainda do amigo Germano Mathias: "Foi no ambiente noturno. Depois, ele ouviu as minhas músicas, gostou e acabou gravando cinco. Ficou muito meu amigo e me ajudava muito. O Germano nunca foi um cara metido a besta, também. O pessoal fala que ele era de porrada, mas ele nunca foi. Sempre foi um grande gozador."

Em 1971, pela CBS, Germano Mathias lançou o LP “Samba é Comigo Mesmo” com várias composições de sua autoria (entre as quais “O toró já chegou”, em parceria com Caco Velho, que faleceu em setembro daquele ano) e outras importantes composições dos amigos do tempo das batucadas, Carlão, Toniquinho e Jerônimo).

Nesse LP, Germano, interpretou “Pressão baixa”, revelando o paraense Kazinho, brilhante compositor de sambas sincopados. Foram aliás os sambas de Kazinho que serviram de base para o LP “Germano Mathias” pela Beverly, de 1974. Além de “Eu e a saudade pela rua”, “Meu viver” , “Como é que pode” e o inesquecível “Deu a louca na nega”, todos do compositor paraense, são também destaques desse disco, sambas de Caco Velho, Jorge Costa, Padeirinho, Henricão e Laurindo Saudade.

Eu e a Saudade Pela Rua, teve como musa inspiradora: Maura, sua primeira esposa. Deu a Louca na Nega, teve a Lúcia, sua segunda esposa, como inspiração. "Como eu te disse, eu era muito boêmio. A nega coitadinha, sofreu muito com a minha boêmia. Eu não maltratava ela, mas de vez em quando eu sumia (risos). Eu ficava dois ou três dias longe de casa (risos). Um dia ela ficou tão louca que chegou a ir na polícia para procurar por mim. Ela foi no IML porque diziam que tinha um Oscar lá. Parece que o camarada era realmente parecido comigo e ela pensou que era eu. O Jorge Costa gozava muito ela: “Estão pedindo pro Kazinho cantar o Deu a Louca na Nega”. No fim, ela mesmo incentivou eu a cantar a música. O Jorge Costa era um gozador..."

De Jorge Costa, Kazinho lembra que: "Ele era dono de vários sucessos como compositor. O Jair Rodrigues gravou as coisas dele. O Jorge Costa me tornou bastante conhecido na noite. Ele cantava O Samba Como Ele É nos shows dele. Ele e o Guaracy do Pandeiro me tornaram mais conhecidos. Quando eu cheguei do Rio, eu ainda não era conhecido. Ele tornou a minha música muito conhecida na noite de São Paulo. Quando eu cheguei, já estava feito por eles. Infelizmente, os dois já foram embora".

Quando o Jorge costa adoeceu kazinho foi visitá-lo no hospital e ele não conseguia o reconhecer. Estava todo enrolado na cama. Então o Kazinho falou pra enfermeira: “Agora ele vai me reconhecer”. E começou a cantar O Samba Como Ele É e no mesmo instante ele me falou: “O Kazinho....”. Como uma música marca as pessoas...

Do Noite Ilustrada Kazinho foi companheiro de vida boêmia. Primeiro ele fazia a contabilidade dele. Ali se conheceram e o amigo foi outro que lhe deu um empurrão na noite paulista. O Noite Ilustrada assinava as suas composições como Marques Filho, seu nome verdadeiro, e como cantor usava o pseudônimo de Noite Ilustrada. Ele falava que ficava chato: "...samba do Noite Ilustrada cantado pelo Noite Ilustrada".

Kazinho compôs Consciente, música que foi interpretada pelo Noite Ilustrada. Bonita canção, ela diz assim: “Meus cabelos brancos chegaram/ Minha mocidade já passou/ Minhas ilusões passaram/ Hoje vivo aquilo que eu sou/ Mas não sou um velho decadente/ Mas sim um homem adulto consciente”.

Kazinho relembra que bebeu muito com Mauricy Moura. "Ele era muito boêmio e bom cantor também. Acompanhei ele tocando pandeiro várias vezes. Uma vez, estávamos em um bar tocando samba e ele cantando as músicas bonitas que ele cantava. Chegou um policial e falou: “Vamos lá pra delegacia”. Quando foi a minha vez, eu dei o meu nome e tudo. Me perguntaram o que eu fazia. Respondi: “Eu estava tocando com o Mauricy Moura”. O policial me falou: “Mauricy Moura? O que esse cara faz aqui. Se está com Mauricy não tem problema". Ele era conhecido até pela polícia."

Sobre Moraes Sarmento, Kazinho conta que esse era seu fã: "Moraes Sarmento tinha um programa e eu fui lá cantar. Ele me falou: “Kazinho, não é esse ritmo de samba que você tem que cantar. Você tem que cantar com regional". Quando eu dei o disco pra ele, eu estava cantando acompanhado com piano, baixo e bateria. Depois, eu passei a cantar com conjunto e batendo no pandeiro. Eu não era Bossa Nova, eu sempre fui do samba autêntico, antigo, dos boêmios."


  • Acadêmicos da Paulicéia
  • Anastacia
  • Ary Lobo
  • Armando da Mangueira
  • Baianinha
  • Ciro Monteiro
  • Cleusa Costa
  • Demônios da Garoa
  • Germano Mathias
  • Lurdinha
  • Maria Andréa
  • Noite Ilustrada
  • Renato Tito
  • Roberto Staganelli
  • Wilson Rodrigues
  • Zito Borborema
Sentados: Julio Caqui - o Caqui do Pandeiro, Seu Beto, Talismã, Zeca da Casa Verde, João Dionísio, Odair Fala Macio (Odair Ferreira), China, Califa, Jangada, Osvaldinho da Cuíca, Doca, Julinho, Ideval, Caveirinha, Kazinho. Em pé: Jaburú e, com o pavilhão da mocidade, Nelí. A foto foi tirada em 1974, durante o almoço dos compositores, na Morada do Samba, quadra da Mocidade Alegre, no Bairro do Limão.


Composições de Kazinho na voz de outros interpretes:


Hei de Viver (Kazinho)
Samba no Duro (Kazinho)

Saudade Junina (Kazinho)
Saudade do Meu Pará (Kazinho)

Saudades do Meu Pará (Kazinho)

Hei de Viver (Kazinho)
Chão do Pará (Kazinho/Venâncio)

Saudação aos Orixás (Kazinho)

Mulher de Compromisso (Kazinho-Aor Ribeiro Filho)

Conjugando (Kazinho)
Garota Gazeteira (Kazinho)

Isto É São Paulo (Kazinho)

Como é que Pode (Kazinho)
Deu a Louca na Nega (Kazinho)
Eu e a Saudade pela Rua (Kazinho)
Meu Viver (Kazinho)
Pressão Baixa (Kazinho)

Convencido (Kazinho)

Barracão Vazio (Kazinho)
Se...(Kazinho)

A Volta (Kazinho)
Consciente (Kazinho)
Os Pagodeiros do Ritmo
Minha Porta Bandeira (Kazinho)

Idealizando (Kazinho-Renato Tito)

Lição de Baião (Kazinho-Aor Ribeiro)
Mulher de Compromisso (Kazinho-Aar Ribeiro)

Peça Bis (Kazinho)

As Coisas Lindas do Meu Pará (Kazinho)

No dia 18/01/2011 saiu o resultado da pergunta/concurso lançada por Júlio César Passarela na Veja : - Você conhece esse time? Quer ganhar dois CDs (sambas-enredo 2011 do Rio e da Liga-SP)? Diga onde estão e quem são os personagens da foto acima. O ano é 1974. Os três primeiros que acertarem ganharão os CDs. As respostas devem ser enviadas no campo de comentários aí embaixo. Os CDs serão entregues nesse mesmo local da foto em dia a ser marcado. Na sexta-feira, 21, encerramos o concurso. Obviamente não vamos publicar as mensagens com respostas até que o concurso tenha acabado, para que não copiem a resposta alheia. Podemos dizer que até agora ninguém acertou todos os nomes, mas chegou bem perto. De qualquer maneira, se ninguém acertar todos os nomes, aquele que acertar mais leva dois CDs.

Entre 1997 – 1999, Kazinho conheceu a advogada atuante, bailarina, cantora, compositora, intérprete musical, contorcionista e estudante de acrobacias e artes circenses... Maria Andréia (de Piracicaba); dessa amizade resultou o CD “Caindo na Gandaia”, de Maria Andréia, que tem Kazinho como autor de sete das 10 músicas que compõe o seu álbum, lançado em 2000. A segunda edição do primeiro CD remasterizado da Maria Andreia lançado em 2004 mostra toda a irreverência e personalidade da artista. A música de trabalho “Bacalhau Criminal” é tema de carnavais de rua e hotéis na região de Piracicaba/SP. Em 2005, após um período em que se dedicou mais a dança dando ênfase as coreografias circenses, Maria Andreia trabalhou na 3 edição do seu primeiro CD – renovou sua identidade visual e em homenagem ao grande amigo e compositor Kazinho lança Barracão Vazio.

Leia aqui o depoimento de Kazinho sobre a cantora Maria Andréia.

FONTE
 


*Matheus Trunk é jornalista. Começou na revista Transporte Mundial e atualmente está no Jornal Nippo-Brasil. Dirigiu a revista eletrônica Zingu! por trinta meses. Mantém o blog Violão, Sardinha e Pão.

Um comentário:

Yan Belém disse...

muito bom esse material